quarta-feira, 28 de julho de 2010

O PRINCÍPIO DO NEMO TENETUR SE DETEGERE: O DIREITO DE NÃO PRODUZIR PROVA CONTRA SI

O Principio do Nemo Tenetur Se Detegere (O Direito de não produzir prova contra si) parte do pressuposto de que nenhum individuo está obrigado a produzir provas contra si mesmo.
A busca da verdade real deve ser almejada pelos magistrados em seus julgamentos, mas não se pode fazer valer por qualquer meio, ou seja, nenhum individuo esta obrigado a se auto-incriminar para satisfazer o estado.
Para entedimento do princípio deve-se relatar uma breve analise histórica do princípio até chegar aos dias atuais e ser incluso no ordenamento jurídico como forma de direito do individuo, destacando o direito a ampla defesa e ao contraditório, o direito a permanecer em silêncio sem que haja prejuízo para o acusado. Deve-se fazer uma breve analise do Principio do Nemo Tenetur Se Detegere no Código Penal Brasileiro para entender o entendimento no ordenamento Jurídico.

1. INTRODUÇÃO

O princípio de não produzir prova contra si "Nemo tenetur se detegere" é considerado princípio fundamental para aquele que foi acusado. É o direito a não se auto-incriminar assegurando a certeza de liberdade ao individuo. O Direito de não auto-incriminação contém diferentes dimensões (direito ao silêncio, direito de não declarar com si próprio, direito de não confessar, direito que não ceder seu corpo para produção de prova etc.). Dentre elas está, evidentemente, o direito ao silêncio, que está contemplado expressamente tanto na Constituição Federal brasileira como na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 8.º (cf. Luiz Flávio Gomes e Valério de O. Mazzuoli, "Direito Penal - Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos/Pacto de San José da Costa Rica", vol. 4/106; Sylvio H. de F. Steiner, "A Convenção Americana Sobre Direitos Humanos e Sua Integração ao Processo Penal Brasileiro", p. 125, item n.º 4.4.7, 2000, RT, v.g.).

Ao analisar o Principio do nemo tenetur se detegere deve-se destacar direito ao contraditório e a ampla defesa como meio de defesa do acusado, também o direito de permanecer calado e a presunção de inocência, uma vez que o acusado no interrogatório tem por direito de ficar calado sem que haja nenhum prejuízo para o mesmo não podendo ser considerado como penal de confissão.

2. NOÇÕES HISTÓRICAS DO PRINCÍPIO DO NEMO TENETUR SE DETEGERE

Para alguns doutrinadores é muito difícil precisar quando começou a origem desse principio mas foi no período do iluminismo que esse principio ganhou força e se fez valer como uma garantia do acusado no interrogatório. O princípio do nemo tenetur se detegere está ligado diretamente ao interrogatório do acusado mesmo sabendo que não será este o único momento que o acusado poderá se beneficiar desse principio.

Na época do iluminismo esse principio vinha ganhando força, pois combatia o uso da tortura e o juramento feito ao acusado no interrogatório.

Passado o tempo ao chegar a Idade Média esse princípio desapareceu, pois o interrogatório na Idade Média era usado como meio de se provar o crime cometido pelo acusado e a tortura e o juramento era imprescindível para realização do mesmo.

Breve analise de Geraldo Prado:

"Da busca da "verdade real" renascem os tormentos pelas torturas, dispostas a "racionalmente" extraírem dos acusados a sua versão dos fatos e, na medida do possível, a confissão, fim do procedimento, preço da vitória e sanção representativa da penitência." (PRADO, 2006, p.83).

Na idade contemporânea internacionalmente diplomas sobre direitos humanos mencionavam diretamente ou indiretamente acerca do princípio do nemo tenetur se detegere.

Em 1948 a Declaração Universal dos Direitos do Homem não mencionou o principio, mas se referiu à presunção de inocência e a não utilização de tortura.

Na conferência de São José da Costa Rica em 1969, o principio do nemo tenetur se detegere ganhou destaque no artigo 8, parágrafo 2, alínea "g", que diz que ninguém é obrigado a depor contra si mesmo e nem a se declarar culpado. Em 1976 entrou em vigor o Pacto internacional sobre Direito Civil e Políticos, que foi abrangido pela Assembléia Geral das Nações Unidas, estabelecendo que todo aquele que for acusado de prática de uma crime não é obrigado a depor contra si mesmo e nem a se confessar culpado, com base no artigo 14, parágrafo 3, alínea "g".

Nos dias atuais o principio do nemo tenetur se detegere, preserva o direito do acusado de não precisar produzir provas contras si mesmo, e podendo se preferir permanecer em silencio sem que haja prejuízo com sua defesa.

3. PRINCIPIO DO NEMO TENETUR SE DETEGERE

O princípio de NEMO TENETUR SE DETEGERE também conhecido como o direito de não produzir prova contra si, mesmo que o ser humano seja abordado ou acusado terá seu direito resguardado para não produção de provas contra si mesmo.

Se comparando ao caso de provar um fato alegado em uma ação penal destacaremos que o ônus de provar a culpabilidade do agente é de quem esta acusando, no caso seria o Ministério Público a réu que esta sendo acusando ele não tem que provar sua inocência.

O ser humano tem inúmeras possibilidades de se defender e direitos para que isso possa ocorrer dentre esses direitos podemos destacar o direito ao Silencio segundo o artigo 8° do Pacto de São José de Costa Rica.

4. PACTO DE SÃO JOSÉ DE COSTA RICA

Decreto n° 678, de 6 de novembro de 1992

Artigo 8º, § 2º, alínea "g", in verbis:

G) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada;

Este decreto promulga a convenção americana sobre direitos humanos popularmente chamado de Pacto de São José da Costa Rica. Esse Pacto originou o direito de silêncio ou direito de permanecer calado além dos elencados na constituição esse se torna mais um direito fundamental do ser humano como base do artigo 2° da Constituição Federal 1988.

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

4.1 DIREITO DA AMPLA DEFESA

Direito a Ampla Defesa, que traduz a liberdade inerente ao indivíduo (no âmbito do Estado Democrático) de, em defesa de seus interesses, alegarem fatos e propor provas. Inciso LV, do artigo 5.º Constitucional.

A ampla defesa nada mais é que a possibilidade de auto-defesa de quem está sendo acusado ela é exercida pelo próprio acusado durante o interrogatório com o Juiz, e também da defesa técnica que é a defesa de um advogado habilitado, em qualquer parte do processo desde seu inicio o réu deverá estar acompanhado da defesa do mesmo.

4.2 DIREITO AO CONTRADITÓRIO

Direito ao contraditório é o direito que o individuo tem de se manifestar perante sua defesa, ou seja, o direito dado ao acusado de se defender.

A constituição de 1988, trouxe o direito a ampla defesa e o direito ao contraditório em um único inciso com possibilidade de serem interpretados juntos.

5. DIREITO DE PERMANECER CALADO

O direito de permanecer calado ou o direito de silencio deve se distinguir do principio do nemo tenetur se detegere, pois o direito ao silêncio e o princípio do nemo tenetur se detegere são inseparáveis uma vez que o direito ao silencio protege o direito do individuo não se pronunciar ou se resguardar, o individuo tem o direito se decidir se quer ou não se pronunciar sem que haja nenhum prejuízo de presunção de culpabilidade, pois como diz o principio do nemo tenetur se detegere ninguém está obrigado a produzir prova contra si.

"LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecercalado, sendo-lhe assegurada à assistência da família e de advogado".

STF: "Qualquer indivíduo que figure como objeto de procedimentos investigatórios policiais ou que ostente, em juízo penal, a condição jurídica do imputado, tem, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer calado. 'Nemo tenetur se detegere'. Ninguém pode ser constrangido a confessar prática de um ilícito penal. O direito de permanecer em silêncio insere-se no alcance concreto da cláusula constitucional do devido processo legal. E nesse direito ao silêncio inclui-se, até mesmo por implicitude, a prerrogativa processual do acusado negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial ou judiciária, a prática de infração penal"(HC 68.929-9-SP-DJU de 28.08.92, p. 13.453)".

5.1. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Uma das mais importantes garantias constitucionais, pois através dela o acusado passa a ser sujeito de direitos dentro da relação processual.

Este princípio está na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que diz no seu art. 5º, inciso LVII: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

Devido a esse principio nenhum ser humano poderá ser considerado culpado até que seja provado ao final da sentença e esta tenha transitado em julgado.

6. O PRINCÍPIO DO NEMO TENETUR SE DETEGERE NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

O princípio do nemo tenetur se detegere tem grande repercussão no processo penal brasileiro. A constituição federal de 1988 concedeu ao acusado o direito de permanecer em silêncio diante da autoridade policial.

O artigo 260 do código penal ao falar do interrogatório refere-se que é um direito do acusado se expressar em sua defesa ou não podendo o mesmo ser forçado a se expressar.

O acusado deverá ser informado de seu direito de permanecer calado e não precisar responder a nenhuma pergunta requisitada sem que haja prejuízo em sua defesa e a mesma não resultará em confissão do réu por não responder de acordo com o Código de Processo Penal em seu artigo 186.

6.1 Interrogatório

O interrogatório é uma fase do processo penal onde há uma grande divergências de opiniões entre alguns doutrinadores, surgindo assim várias correntes sobre o tema. Dentre elas deve-se citar as quatro principais correntes.

a) a primeira, que considera o interrogatório apenas como meio de defesa;

b) a segunda, que considera como meio de prova, podendo acidentalmente ser usada como defesa;

c) a terceira que entende ser meio de defesa e, secundariamente, meio de prova; e

d) a quarta esta majoritária e dominante, que entende ter o interrogatório natureza mista, sendo tanto meio de defesa como meio de prova.

6.2. Interrogatório para Tourinho Filho

Para Tourinho Filho o interrogatório é o momento em que o acusado tem para se defender da acusação, podendo se defender ficando em silêncio se preferir ou agir da maneira que achar que melhor lhe beneficiará de qualquer forma o silêncio não poderá ser interpretado como prova em seu desfavor.

6.3 Interrogatório para José Frederico Marques

Para Marques o interrogario é um ato processual de suma importância, conforme descreve, "é, sem dúvida, o interrogatório, por meio do qual o juiz ouve do pretenso culpado esclarecimentos sobre a imputação que lhe é feita e, ao mesmo tempo, colhe dados importantes para o seu convencimento".

Para José Frederico Marques vai ser no interrogatório que o juiz vai ouvir e interpretar a parte e nesse momento o juiz pode formar seu convencimento.

6.4 Interrogatório para Adalberto José Q.T. De Camargo Aranha

Para Adalberto José Q.T. De Camargo Aranha, o interrogatório "não é uma peça inquisitória, nem uma análise psicanalítica". e "O interrogatório do acusado não é uma experiência feita num objeto, mas uma observação feita num sujeito. O réu não é coisa, é pessoa. O processo é uma relação jurídica, de que um dos sujeitos é o réu".

7. CONCLUSÃO

É considerado de suma importância o estudo do principio do nemo teneutr se detegere (o direito de não produzir provas contra si mesmo) no ordenamento jurídico brasileiro sendo fundamental esse principio para proteção do individuo.
Ao analisar o princípio desde a parte histórica podemos concluir que há controvérsia sobre o assunto uma vez que o direito que hoje é protegido pela Constituição Federal era discutido de diferentes formas.

O principio nemo teneutr se detegere ganhou força no iluminismo, pois imaginavam que com esse principio o acusado não estava obrigado a produzir provas contra si e assim não precisava passar por torturas da época que tinha como finalidade do acusado confessar o crime.

Ao passar do tempo na Idade Média esse princípio foi esquecido, uma vez que entendiam que para achar a verdade real era preciso o uso de torturas como meio de prova.

Na idade Conteporanea pode ser encontrado esse princípio não expressamente, mas indiretamente na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 que referia a presunção de inocência e a proibição da utilização da tortura como meio de prova. Somente em 1969, na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que o principio nemo teneutr se detegere veio expressamente descrito no artigo 8, parágrafo 2, alínea "g". Esse princípio foi aprovado na Conferência de São José da Costa Rica esse princípio dispõe que nenhum individuo está obrigado a produzir provas contra si mesmo e nem a se declarar culpado.

No ordenamento Jurídico brasileiro pode-se ver reflexo desse princípio no seu artigo 5°, LXIII, da Constituição Federal:

LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

Todo individuo que for acusado terá o direito de permanecer em silêncio sem prejuízo para o acusado.

O interrogatório é mera peça de informação, não podendo o acusado ser preso nem ser prejudicado e muito menos ser induzido ou obrigado a se confessar, o acusado terá toda liberdade de se calar e de se resguardar durante o interrogatório, deve-se lembrar que para achar a verdade real dos fatos não se pode usar qualquer meio de prova deve-se primeiro respeitar o direito e as garantias do acusado.

Ao analisar o princípio do nemo tenetur se detegere no código de processo penal deve-se destacar o artigo 260 e artigo 186 do Código Penal brasileiro e observar que o acusado tem o direito de se pronunciar ou não no interrogatório se que haja qualquer tipo de prejuízo em sua defesa. No interrogatório por haverem diferentes tipos de opiniões deve ser observados as quatro principais correntes e também observar opiniões de alguns dos principais doutrinadores como Frederico Marques que defende que o interrogatório é de suma importância para que o juiz tome seu convencimento e interrogue o réu, pois é nele que o acusado tem o direito de se defender e expor o seu relato de como aconteceu os fatos, já Tourinho Filho entende que o interrogatório é a hora em que o acusado tem para defender de sua acusação podendo se pronunciar ou não sobre o assunto, da maneira que achar que o beneficiará e Adalberto José Q.T. De Camargo Aranha entende que o interrogatório é não é uma peça inquisitória, mas uma analise feita ao réu.


8. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, José Eulálio Figueiredo de. Breves anotações sobre o princípio da ampla defesa. Jus Navigandi, Maranhão, elaborado maio 2002. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3166 . Acesso em 20 de maio de 2009.

SPITZCOVSKY, Celso. O direito constitucional ao silêncio e suas implicações. Jus Navigandi, elaborado em setembro 2005. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7361 . Acesso em 20 de maio de 2009.

SANTOS, Teodoro Silva. O interrogatório do acusado à luz da Lei nº 10.792/03. Jus Navigandi, elaborado em março 2004. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5104 . Acesso em 21 de maio de 2009.

JUNIOR, Luis Aldair Nundes da Silva. Princípios do Processo Penal: a busca da verdade real e o direito de não produzir prova contra si mesmo. Elaborado em 7 de agosto de 2007, Disponível em: http://jusvi.com/artigos/27364 . Acesso em 21 de maio de 2009.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 13 ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva 2006.

GOMES, Luiz Flávio. Direito ao silêncio: seu significado e sua dimensão de garantia. Elaborado em 22 de outubro de 2008. Disponível em http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=200810201310435&mode=print . Acesso em 24 de maio de 2009.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 3º vol. 30 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 275.

Autor: Pablo Gomes Bettio
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terça-feira, 20 de julho de 2010

CONCURSO DE PESSOAS

Concurso de pessoas ocorre concurso de pessoas quando uma infração penal é praticada por mais de uma pessoa.

Teorias sobre o concurso de pessoas:

a) Monista – determina que todo aquele que concorre para o crime responde pelas penas a este cominada, na medida da culpabildade. Teoria adotada, em regra, pela legislação penal (art. 29 do CPB). Essa teoria relaciona-se com a teoria da equivalência dos antecedentes (art. 13 do CPB).

b) Dualista – pela teoria dualista, os co-autores incorrem num determinado crime e os partícipes, em outro.

c) Pluralista – cada agente incorre em um crime diferente.

Requisitos do concurso de pessoas: a) pluralidade de agente; b) relevância da conduta de cada um dos agentes; c) vínculo subjetivo.

Quanto ao concurso de pessoas os crimes podem ser:

a) monossubjetivos – crime praticado por um só agente.

b) Plurissubjetivos - crime praticados por dois ou mais agentes. Esses crimes subdividem em de condutas paralelas (auxílio mútuo visando um objetivo comum), de condutas convergentes ( as condutas se encontram gerando um resultado), de condutas contrapostas (condutas contrárias gerando um resultado).

Autoria – autor, com base na teoria restritiva, é aquele que executa a conduta típica descrita na lei, ou seja, quem realiza o verbo contido no tipo penal.

Co-autoria – considera-se co-autor, aquele que coopera na execução do crime.

Partícipes – toda pessoa que prestar auxílio moral ou material ao autor do crime.

Participação impunível – O ajuste, a determinação, a instigação e o auxílio não são puníveis , quando não chega a iniciar-se o ato de execução do delito.

Autoria colateral – quando duas pessoas querem praticar um crime e agem ao mesmo tempo sem que uma saiba da intenção da outra e o resultado decorre de apenas uma delas, que é identificada no caso concreto.

Autoria incerta – ocorre quando, na autoria colateral, não se consegue apurar qual dos envolvidos provocou o resultado.

Autoria mediata – o agente serve-se de pessoa sem discernimento para executar para ele o delito.

Concurso em crimes culposos – admite-se somente a co-autoria, mas nunca a participação. Essa posição não é unânime na doutrina.

Homogeneidade de elemento subjetivo – Só há participação dolosa em crime culposo. Não há participação dolosa em crime culposo, e não há participação culposa em crime doloso.

Participação dolosamente distinta – se o agente quis participar do crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste, que será aumentada da metade se o resultado mais grave era previsível.

Participação de menor importância – se a participação for de menor importância, a pena será diminuída de 1/6 a 1/3.

Comunicabilidade das elementares e circunstâncias:

a) As circunstâncias e condições objetivas (de caráter material) comunicam-se aos partícipes desde que estes conheçam tais circunstâncias ou condições.

b) As circunstâncias ou condições subjetivas (de caráter pessoal) não se comunicam aos partícipes, salvo quando forem elementares do crime, isto é, pertencentes ao próprio tipo penal.

c) As elementares, sejam elas subjetivas ou objetivas, comunicam-se aos partícipes, desde que conhecidas por eles.

Circunstâncias – são todos os dados acessórios que, agregados à figura típica, têm o condão de influir na fixação da pena.

Elementares – são componentes essenciais da figura típica, sem as quais o delito nãoexiste.

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Publicado em: maio 27, 2007
 
Fonte: Shvoong - A Fonte Global de Resumos e Revisões
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segunda-feira, 12 de julho de 2010

ACORDO EXTRAJUDICIAL DE PAGAMENTO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA

Descumprir acordo extrajudicial de pagamento de pensão alimentícia também pode levar à prisão
02/06/2010 por NJurid

É cabível a prisão civil por inadimplemento de  pensão alimentícia decorrente de acordo extrajudicial entre as partes, ou seja, aquele não baseado em decisão da Justiça. O entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ao analisar um recurso no qual a mãe de um menor em Minas Gerais tentava receber prestações de pensão alimentícia vencidas, os ministros anularam o processo desde a sentença inicial e determinaram que a ação de cobrança de alimentos seja retomada. O pai não pagou a dívida que havia sido negociada extrajudicialmente na Defensoria Pública do estado.
A primeira instância extinguiu o processo porque o título executivo extrajudicial não poderia ser executado, uma vez que deveria ter sido homologado judicialmente. O Tribunal de Justiça mineiro negou o pedido para o menor por entender que a execução da dívida exigiria título judicial, ou seja, sentença ou decisão que concedeu o pagamento liminar em ação de alimentos.
No STJ, a mãe argumentou que a transação assinada perante a Defensoria Pública seria um instrumento adequado para execução de alimentos. O relator, ministro Massami Uyeda, havia admitido que, na execução de obrigação alimentar estipulada por meio de acordo extrajudicial, não seria possível impor a pena de prisão civil. Mas um pedido de vista da ministra Nancy Andrighi modificou o entendimento do relator. Para a ministra, o artigo 733 do Código de Processo Civil (CPC) não faz referência ao título executivo extrajudicial, “porque, na época em que o CPC entrou em vigor, a única forma de se constituir obrigação de alimentos era por título executivo judicial. Ocorre que, posteriormente, foram introduzidas alterações no ordenamento jurídico permitindo a fixação de alimentos em acordos extrajudiciais, dispensando-se a homologação pelo Poder Judiciário”.
O entendimento que passou a prevalecer na Terceira Turma, depois do voto vista da ministra Nancy Andrighi, está estabelecido na Constituição Federal: “será legítima a prisão civil pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentar”. Assim, a prisão é autorizada no caso de não pagamento injustificado da pensão alimentícia legítima, não se restringindo às execuções de títulos judiciais. Além do que a Constituição dispõe que o bem jurídico tutelado com a coerção pessoal (prisão) se sobrepõe ao direito de liberdade do alimentante inadimplente. Conforme a análise da ministra, “o entendimento de que o acordo realizado fora do processo afasta o uso da prisão civil é um incentivo à desídia do devedor de alimentos que optou pela via extrajudicial e viola o direito fundamental do credor de receber, regularmente, os valores necessários à sua subsistência”.
Por fim, a ministra concluiu que os efeitos nefastos do descumprimento da pensão alimentar são os mesmos, independentemente da origem do acordo que gerou a obrigação – judicial ou extrajudicial. Isto é, deixar de suprir as necessidades daquele que precisa de alimentos fere o direito fundamental da dignidade da pessoa humana, seja o título oriundo de acordo judicial ou extrajudicial.
Esse entendimento, além do mais, assinalou a ministra, está em harmonia com a tendência do ordenamento jurídico de incentivar a resolução de conflitos pela autocomposição.
Em votação unânime, a Terceira Turma determinou o prosseguimento da execução.
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Texto retirado do site do STJ  
                        
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sexta-feira, 9 de julho de 2010

TÍTULOS DE CRÉDITO VIRTUAIS

      Títulos de crédito sãos “documentos necessários para o exercício de um direito literal e autônomo, nele mencionado”2, esta é a concepção do italiano Cesare Vivante. No entanto, na era virtual em que as operações são marcadas pela informatização, não se entende que se continue a tratar o título de crédito como o antigo modelo incorporado ao papel, ainda que tenha exercido grande importância no passado, não pode mais ser tratado como fundamental a circulação de riquezas.
      A evolução tecnológica proporcionada pela informatização vem sendo o propulsor de grandes e significativas mudanças, tendo por objetivo que os países adaptem suas leis à realidade subjacente e, ensejando ser inadmissível que no mundo globalizado no qual predomina a informática, abstenham-se de incorporá-la à sua legislação. Por este motivo, e pela necessidade de estarem presentes na vida cotidiana, os títulos de crédito assumem a modernidade necessária à geração de maior circulação de riquezas no Brasil.
      Sendo assim, é relevante a previsão de emissão na forma eletrônica no atual Código Civil, em seu art. 887: “o título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei. Esse conceito é o mais aceito na doutrina por trazer as três principais características dos títulos de créditos: Literalidade, Autonomia e Cartularidade. Sendo que havendo a descartularização do título, surgem dúvidas em relação a possibilidade de aceite, protesto, execução e se a mesma é de fato, um título de crédito. O art. 225 do novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002) reconheceu expressamente a existência, a validade e a eficácia jurídicas do documento eletrônico. São esses os termos da norma: “As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão”.4 Portanto, a representação, a guarda ou a perpetuação de um fato, pode ser juridicamente efetivada por intermédio de um arquivo eletrônico.
      Ainda que algumas legislações esparsas, como a Lei das Duplicatas e a Lei de Protestos já autorizassem a utilização de meio eletrônico no protesto de duplicatas, não previam a emissão eletrônica do título. Importa frisar que no Brasil nem todos os títulos de crédito são virtuais, mesmo que se possuam condições para isso. O que alguns chamam de título de crédito eletrônico não o é, porque não existe um documento que o represente, que contenha todos os requisitos estabelecidos em lei. Segundo Fabio Ulhoa Coelho, “Título de crédito não é mais o documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele contido; e sim, o “documento, cartular ou eletrônico, que contempla cláusula cambial, pela qual os co-obrigados expressam a concordância com a circulação do crédito nele contido de modo independente e autônomo” 5
       Para o Conselho da Justiça Federal, o documento eletrônico tem valor probante, desde que esteja apto a preservar a integridade do seu conteúdo e  que também seja idôneo ao apontar sua autoria, independentemente da tecnologia empregada. 6

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NOTAS

1. Graduandas do Curso de Direito da FAO.

2 VIVANTE, Cesare

3 Art. 887, Código Civil de 2002.

4. Art. 225 do novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

5.http://washingtonbarbosa.com/2010/02/08/entrevista-fabio-ulhoa-coelho-titulos-de-credito/. Entrevista concedida por Fabio Ulhoa Coelho: Títulos de Créditos, e publicada por Washington Barbosa em 08/02/2010.

6 Enunciado 297 – IV Jornada de Direito Civil


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial / Direito de Empresa: empresa e estabelecimento; títulos de crédito. Vol. 01; 12ª Ed. revista e atualizada. Editora Saraiva: São Paulo. 2008, p. 373–390.

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direto Comercial. Vol.02; 23ª Ed., atualizada pelo autor. Editora Saraiva: São Paulo. 2003, p. 357–362.

VIVANTE, Césare. Tratt. di dir. comm. 5ª. Ed., v. III.

COSTA, Wille Duarte. Títulos de Crédito. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. v. 1.

320 PENTEADO, Mauro Rodrigues. Títulos de Crédito: Considerações sobre o Projeto e Notas acerca do Código Civil de 2002, em Matéria de Títulos de Crédito. São Paulo: Walmar, 2004.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil - Contratos em espécie. v.3, 6.ed. São Paulo:

Atlas, 2006.

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Texto elaborado em 28/05/2010.

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PEDOFILIA

         Com a finalidade de aprimorar o combate à prostituição, e a exploração sexual de crianças e adolescentes, o projeto de lei nº 5658/2009, insere o § 3° no art. 244 da Lei nº 8.069/90, do ECA, e altera as Leis nº 7.960/89, Lei de Prisão Temporária, e nº 8.072/90, Lei de Crimes Hediondos.
         Essa alteração visa aplicar a mesma pena aos que intermediarem a exploração sexual infantil, aos que praticarem conjunção carnal ou atos libidinosos com crianças e adolescentes que são explorados sexualmente, penalizando também os clientes eventuais.
           Importa frisar que ”os crimes hediondos, do ponto de vista da criminologia sociológica, são os que estão no topo da pirâmide de desvaloração axiológica criminal, devendo, portanto, ser entendidos como crimes mais graves, mais revoltantes, que causam maior aversão à coletividade.”
      Segundo Fátima Aparecida de Souza Borges “crime hediondo diz respeito ao delito cuja lesividade é acentuadamente expressiva, ou seja, crime de extremo potencial ofensivo, ao qual denominamos crime “de gravidade acentuada.”1 Alexandre de Moraes salienta ainda, que “o legislador brasileiro optou pelo critério legal na definição dos crimes hediondos, prevendo-os, taxativamente, no art. 1º da Lei nº 8.072/90.
      Assim, crime hediondo no Brasil, não é aquele que se mostra repugnante, asqueroso, sórdido, depravado, abjeto, horroroso, horrível, por sua gravidade objetiva, ou por seu modo ou meio de execuções, ou pela finalidade que presidiu ou iluminou a ação criminosa, ou pela adoção de qualquer critério válido, mas sim aquele crime que, por um verdadeiro processo de colagem, foi rotulado como tal pelo legislador ordinário, uma vez que não há em nível constitucional qualquer linha mestra dessa figura criminosa. ”2
       Matéria publicada na revista “Veja”, de 15 de julho de 2009, nos mostra que a violência e o abuso, muitas vezes,  procedem daqueles que deveriam cuidar e zelar pela sociedade, dos que têm dever de não permitir que esses crimes ocorram. 3
       Sendo assim, cabe a sociedade exigir a efetiva atuação do Poder Público na gestão de recursos, aplicação da lei, e a penalização dos agressores e intermediadores de crimes que violam de maneira tão cruel, os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana. “O esforço conjunto entre família, Estado e sociedade, pode mudar a situação em que muitas crianças e adolescentes se encontram. Esse esforço deve ser tanto no sentido de ter a consciência que o problema é de todos e, principalmente, no de cobrar que as leis existentes sejam colocadas em prática.”4
         Celso Delmanto diz que: “[...] embora inadmissível a presunção de violência, não pode o Direito Penal deixar de proteger os menores de 14 anos. É por isso que o legislador deveria, com a máxima urgência, reformular não só este art. 224, mas todos os crimes sexuais previstos no CP, para adequar a antiga Parte Especial ao moderno Direito Penal[...]”5
    Diante disso, conclui-se que o objetivo principal da norma aqui, deve ser a proteção do menor. Espera-se, assim, que as alterações previstas no projeto de lei, venham a ser efetivadas, no sentido de propiciar ampla proteção aos direitos fundamentais da criança e do adolescente.


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NOTAS

1 Wikipédia, a enciclopédia livre, Crime hediondo.

2 Alexandre de Moraes, Direitos Humanos Fundamentais, 8ª ed. p.233.

3 Revista Veja, Edição 2121, 15 de julho de 2009.

4 Vicente de Paula Faleiros, A violência sexual contra crianças e adolescentes e a construção de indicadores : a crítica do poder, da desigualdade e do imaginário, Trabalho apresentado na Oficina de Indicadores da Violência Intra-familiar e da Exploração Sexual de crianças e adolescentes, promovida pelo CECRIA, em Brasília de 01 a 02/12/97.

5 Delmanto, Celso, Código Penal Comentado, 4ª ed., p. 409.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 32ª ed. rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2009.

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, 8ª ed., São Paulo: Atlas, 2007.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, 11ª ed. amp. e atual., Rio de Janeiro, 2009.

DELMANTO, Celso. DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Celso. Código Penal Comentado. 4. ed. São Paulo: Renovar. 1998.
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Elaborado em 22/09/2009.


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quinta-feira, 8 de julho de 2010

O Princípio do " Non Ne Bis In Idem": uma releitura do direito penal constitucionalizado

O Princípio do Non Bis In Idem, embora não esteja expressamente previsto constitucionalmente, tem sua presença garantida no sistema jurídico-penal de um Estado Democrático de Direito. Certamente se avolumou com o incremento do respeito à dignidade da pessoa humana e com a consolidação de um Direito Penal que se ocupa precipuamente do fato delituoso, ao invés de concentrar-se na obstinada perseguição, rotulação e segregação do indivíduo ao qual se apôs o rótulo de criminoso. É a prevalência do "Direito Penal do fato" sobre o "Direito Penal do autor".

O princípio em comento estabelece, em primeiro plano, que ninguém poderá ser punido mais de uma vez por uma mesma infração penal. Mas não é só. A partir de uma compreensão mais ampla deste princípio, desenvolveu-se o gradativo aumento da sua importância. Hodiernamente, uma das suas mais relevantes funções é a de balizar a operação de dosimetria (cálculo) da pena, realizada pelo magistrado.

Temos que observar que se consolidou o entendimento de que uma mesma circunstância não deverá ser valorada em mais de um momento ou em mais de uma das fases que compõem o sistema trifásico estabelecido pelo art. 68 do Código Penal.

É certo que, já há muito tempo, não se admite, por exemplo, o reconhecimento de uma circunstância agravante que funcione como elemento constitutivo, como qualificadora ou como majorante (causa de aumento) do delito. Não é aceitável, neste sentido, o reconhecimento da agravante "com emprego de fogo" para o crime de incêndio (art. 250, CP); ou "contra mulher grávida" (art. 61, II, "h", CP) para o aumento da pena do crime de aborto (eis que a gravidez é pressuposto lógico para a própria possibilidade da interrupção da vida intra-utrerina). Do mesmo modo, não se tolera que o homicídio qualificado pelo "motivo fútil" (art. 121, § 2º, II) sofra a agravação genérica do art. 61, II, "a", do CP; ou que o crime contra a liberdade sexual praticado contra descendente, que já sofre majoração da pena por força do art. 226, II, seja, pelo mesmo fato, genericamente agravado (art. 61, II, "e’, do CP).

O incremento do prestígio do princípio, no entanto, não parou por aí. Indo muito além das situações (até mesmo óbvias) que expusemos, notamos que se formaram posicionamentos rijos a respeito de diversas hipóteses até então consideradas dúbias.

Hoje, uma condenação penal transitada em julgado que se presta à caracterização da reincidência, não pode funcionar, na fase da fixação da pena-base, como mau antecedente (Súmula 241, STJ).

Sustenta-se, também, o entendimento de que se o juiz se amparou em uma valoração negativa dos motivos do crime para fixar a pena-base em quantidade mais elevada (atendendo ao que determina o art. 59 do CP), o posterior reconhecimento da agravante "motivo torpe" (art. 61, II, "a", do Código Penal), no segundo estágio do sistema trifásico, ficaria inviabilizado. Pois, caso contrário, ao ser reconhecida a agravante da torpeza do motivo, um mesmo fator – a motivação do crime – estará sendo valorado mais de uma vez, em dois momentos distintos da operação de dosimetria da pena. O mesmo elemento – o motivo reprovável – seria usado como fundamento para a fixação da pena-base mais elevada e para o aumento da pena, na segunda fase, em aproximadamente 1/6 do valor inicialmente fixado (valor fracionário recomendável [01] para o caso das atenuantes e agravantes). Trata-se de posição que, apesar de aparentar extremismo, não deixa de fazer sentido.

Um exemplo elucidativo: imaginemos que alguém tenha praticado um furto, e que o tenha feito por motivo torpe (o agente subtraiu do seu desafeto o dinheiro que seria destinado à compra de alimentos para a sua família, justamente com o intuito de acarretar a privação). É bem provável que o juiz, após análise do caso, se desconhecer a motivação do crime, venha a fixar a pena-base próxima do mínimo legal (digamos, um ano de reclusão). Sabendo da torpeza da motivação, no entanto, e atendendo aos critérios do artigo 59 do CP, suponhamos que ele estabeleça uma pena-base mais elevada: 3 anos de reclusão. Quando passa ao segundo estágio do sistema de dosimetria da pena, reconhece a já mencionada agravante do art. 61, II, "a", e faz incidir um aumento de 1/6 sobre a pena-base anteriormente fixada. Supondo a ausência de quaisquer outras circunstâncias agravantes ou atenuantes, e também de causas de aumento e de diminuição da pena, torna-se definitiva a punição em 3 anos e 6 meses de reclusão. Percebamos que, no presente caso, o peso exercido pelo motivo do crime na pena atribuída, na primeira fase, é de hipotéticos 2 anos de reclusão; e que, num momento posterior, ao ser reconhecido como circunstância agravante, o mesmo fator levou a novo aumento da pena (mais 6 meses de reclusão). Esta dupla (ou múltipla) valoração é vedada pelo Princípio do Non Bis In Idem.

Nosso escopo, nos lindes do presente artigo, ao invés de ser o de trazer a lume, em espécie, uma a uma, as várias novas releituras jurídicas induzidas pela ampla compreensão do Princípio do Non Bis In Idem, é a de atrair a atenção do leitor para um sedicioso dado. Proliferaram, recentemente, críticas e soluções inovadoras destinadas ao trato do problemático bis in idem (algumas, inclusive, merecedoras de maior reflexão e melhor elaboração – como esta que apresentamos por último, capaz de imobilizar o magistrado ou de engessar a metodologia de cálculo da pena). A grande preocupação com a dupla (ou múltipla) punição suscitou ponderações sobre várias das facetas do complexo procedimento de determinação da pena. O que nos intriga é que, apesar da epidêmica valorização do Princípio do Non Bis In Idem, e da fecunda multiplicação de críticas relativas ao seu descumprimento, não se tenha dado a devida importância a um velho e desgastado instituto penal. Vem passando em branco, praticamente ilesa, a questionável reincidência. E vem sendo desperdiçada a oportunidade de criticá-la com a dureza merecida.

Como prova da freqüência da violação de princípios por regras destoantes da lógica do Direito Penal Constitucional; e como evidência de que esta violação é comumente ignorada, citamos a reincidência. Esta agravante genérica, prevista pelo art. 61, I, do CP, constitui flagrante ofensa ao princípio sob análise e continua sendo aplicada (jurisprudência) e lecionada (doutrina).

Talvez se possa conceber que o fator reincidência seja, de alguma forma, contemplado pelo ordenamento. Talvez seja admissível até mesmo a conferência do condão de influir na determinação da pena do agente. Não objetivamos o rechaço pleno e definitivo do fator reincidência. Mas o certo é que o seu posicionamento no sistema jurídico-penal como agravante, isto é, como "circunstância que sempre agrava a pena", é intolerável. A melhor maneira de nos fazermos compreender é através de exemplos.

Para demonstrar o quanto pode ser injusto o obrigatório incremento da pena por conta do reconhecimento desta agravante genérica, visualizemos a seguinte hipótese: uma pessoa pratica um crime de injúria simples (art. 140, caput, CP). Por este (ínfimo e questionável) delito é condenada a uma pena de 1 (um) mês de detenção. Um ano após o cumprimento da sua pena, essa pessoa cometeu uma lesão corporal culposa na direção de veículo automotor (art. 303 da Lei 9.503/97). Da pena de 6 meses a 2 anos que lhe poderia ser imposta, recebeu uma condenação a 2 anos de detenção. No segundo estágio do sistema de determinação ou dosimetria da pena (fase das agravantes e atenuantes), o juiz, ao reconhecer a reincidência, deve operar o respectivo aumento da pena (que, preferencialmente, deve girar em torno de 1/6, conforme coesa orientação doutrinária). Note-se: pelo crime de injúria (que fundamenta a reincidência), o agente recebeu uma pena de 1 (um) mês de detenção; pelo reconhecimento da reincidência em si (apesar de o crime anteriormente praticado ser de menor potencial ofensivo), a pena foi aumentada em 4 (quatro) meses de detenção (!). O aumento da pena determinado pela reincidência supera a pena total aplicada ao delito anteriormente cometido. [02] A hipótese aventada não é de improvável acontecimento, mas, sim, de fácil configuração. Aliás, na maioria das vezes em que alguém cometer um delito menos grave (como um crime culposo) e, depois, cometer uma infração mais reprovável (como um crime doloso), a punição pela reincidência suplantará a pena total atribuída pela primeira transgressão. É possível não enxergar a injustiça? O mesmo fato (cometimento de crime e condenação) gera duas sanções penais: uma direta (pena total pelo primeiro crime) e uma indireta (aumento da pena na segunda condenação). Se pelo primeiro crime, em si, se impôs uma pena de 1 mês de detenção, como conceber que, pela reincidência, seja imposta uma pena quatro vezes mais elevada? E há uma importante observação a realizar: justamente por conta dessa reincidência, a pena, que seria cumprida no regime aberto, deverá ser cumprida em regime semi-aberto. E o que é pior: para os mais rigorosos, não adotantes da interpretação determinadora da prevalência do caput do art. 33 (que não prevê regime inicialmente fechado para a detenção) sobre o seu § 2º (que estabelece que somente o não-reincidente poderá cumprir a pena em regime semi-aberto ou aberto), a reincidência levará, por fim, ao início do cumprimento da pena em regime fechado. Assim, o fato pretérito (injúria), pelo qual o agente já cumpriu pena, não só contribui para o aumento da intensidade da nova punição que lhe é dirigida em termos quantitativos (valor da pena privativa da liberdade), mas também qualitativos (o cumprimento da pena se dará, inicialmente, em regime mais severo).

Note-se que não tratamos de situação caracterizadora de anti-socialidade ou de contumácia criminosa. Qualquer cidadão exemplar pode, por pequenos deslizes comportamentais, cometer uma injúria e, principalmente, no frenético trânsito de nossas cidades, um "delito de circulação".

Evidentemente, conhecemos a justificativa universal para a consideração da reincidência: "não é o primeiro fato que determina o aumento da pena; é a reincidência em si, o fato de praticar o agente uma nova infração penal após já haver sido condenado". O discurso não consegue ocultar seu tom falacioso. Pois, na verdade, se eliminarmos o fato pretérito e considerarmos inexistente aquele evento pelo qual o agente já cumpriu ou está cumprindo pena, teremos a fatal redução da pena e a amenização da sua forma de execução.

De outro lado, é claro que o criminoso inveterado, que por várias vezes se insurgiu contra a ordem social e por várias vezes se submeteu – em vão – ao sistema prisional, poderá, eventualmente, fazer jus a um tratamento diferenciado. Se uma pessoa passa várias vezes pelo (caótico) sistema prisional e, nem por isso, deixa de cometer delitos e de agredir bens jurídico-penais, está a revelar comportamento mais perigoso e deliberadamente anti-social. É, em primeira análise, merecedora de resposta penal mais severa.

Então há, simultaneamente, a exigência da imposição de sanção penal que seja "necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime" (art. 59, CP), para a devida proteção dos bens jurídicos essenciais; e, em contrapartida, a vedação do bis in idem. A solução não está no sacrifício de um comando para o atendimento do outro. Está no equilíbrio, na razoabilidade que deve ser estabelecida entre eles. Esse é o juízo inspirado pelos preceitos delineadores da ideologia constitucional.

Se não se pode abrir mão, por completo, do instituto da reincidência, pela necessidade de um tratamento diferenciado para os delinqüentes contumazes, também não se pode desprezar a garantia de que não se puna várias vezes o mesmo fato criminoso.

Já que se faz necessário uma resposta penal mais severa para os delinqüentes contumazes, é preciso que, para que ela possa ser legitimamente instituída, restem estabelecidos critérios claros e confiáveis. Muito mais confiáveis do que a obrigatória agravação da pena, pura e simplesmente. Em primeiro lugar, há que se definir quais serão os alvos dessa resposta mais severa (a questão do quem); em segundo, de que forma se dará essa severização (a questão do como).

Sobre a questão do quem, destarte, urge ressaltar que não é toda pessoa que voltou a delinqüir após haver recebido uma condenação penal que deverá ser alvejada pelo enrijecimento da repressão estatal. Que se reserve a reação mais drástica para os casos mais graves. A reincidência específica, mormente em se tratando de delitos dolosos, e a renovação da prática de crimes hediondos ou afins, por exemplo, podem ser consideradas como fortes indícios da necessidade de uma repressão penal mais severa. Em tais casos, havendo sido constatada a insuficiência da medida penal – tendo em vista a reiteração das ofensas de alta gravidade – mostra-se imperativa providência mais rigorosa. Repita-se: providência direcionada não a todo e qualquer reincidente, indiscriminada e indistintamente; mas aos que insistem em perpetrar as condutas mais censuráveis, renovando ataques a bens jurídicos essenciais por intermédio de comportamentos particularmente desvaliosos.

Acerca do como, temos a aduzir que a intensificação da resposta penal não necessariamente requer uma providência tão inflexível quanto o obrigatório aumento da pena pelo reconhecimento da reincidência. É muito mais racional restringir a influência do fator reincidência e, quiçá, limitá-la à modificação do tempo exigido para a progressão de regime, das condições para o sursis, ou dos requisitos para o livramento condicional, por exemplo. Talvez até se possa conceber a influência da reincidência na quantidade da pena, em casos particularíssimos (jamais da maneira como atualmente se realiza); mas a providência que se afigura mais recomendável, em virtude do menor conflito com o Princípio do Non Bis In Idem, é o estabelecimento de requisitos mais rígidos para a obtenção de benefícios.

Ao final, não se teria o aumento da pena, na segunda condenação, para toda e qualquer pessoa que voltasse a cometer um delito, mas sim o aumento do rigor penal (preferencialmente no que tange à obtenção dos benefícios) para alguns casos específicos, que envolvam comportamentos desvirtuados que figurem entre aqueles mais graves.

É evidente que nosso objetivo, com tão poucas palavras, não pode ser o de esgotar o tema. Nem tampouco de nele nos aprofundar. O intento, presentemente, é apenas o de induzir a uma reflexão. A partir da instauração do Estado Democrático de Direito, além de terem surgido novos princípios balizadores do Direito Penal, observáveis a partir das diretrizes constitucionalmente impostas, remodelaram-se os princípios penais pré-existentes. Para que eles atendam aos parâmetros constitucionais (e isso é imprescindível!), devem sofrer uma releitura. É este, justamente, o caso do Princípio do Non Bis In Idem, que tem seu conteúdo estendido e, dentre outros fatores, demanda uma nova postura no que atine ao trato da reincidência pelo nosso ordenamento jurídico-penal. Com isso, mesmo institutos já sedimentados, cujas aplicabilidades são aparentemente incontroversas, e que continuam a ser intuitivamente prestigiados, mostram-se necessitados de uma remodelação (teórica e pragmática) que os ajuste à ideologia constitucional.

Notas

01 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 211.

2 Se pensarmos em um segundo delito de maior gravidade, a disparidade se revelará ainda mais gritante. Caso o segundo crime cometido seja um homicídio, se a pena-base fixada for de 12 anos (termo médio), lidaremos com um aumento de aproximadamente 2 anos de prisão (que, aqui, diferentemente do que se verifica no caso da injúria, importa em reclusão), aumento que supera a pena total do primeiro crime em vinte e quatro vezes.


Informações bibliográficas:

Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:

JORIO, Israel Domingos. Princípio do "non bis in idem": uma releitura à luz do direito penal constitucionalizado. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1161, 5 set. 2006.
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Autor: Israel Domingos Jorio - Professor de Direito Penal da FDV e da Escola Superior do Ministério Público do Espírito Santo. Advogado.

Texto extraído do Jus Navigandi - inserido em 05.09.2006 - Acesso em: 08 jul. 2010.
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O PRINCÍPIO "NE BIS IN IDEM"

O princípio "ne bis in idem" e os operadores políticos da "justiça" Dispõe o artº 29º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa: “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.” Note-se que não se diz que ninguém pode ser PUNIDO mais de uma vez.
Diz-se, sim, que ninguém pode ser JULGADO mais de uma vez. Este pequeno “pormenor” tem a maior importância, porque há operadores políticos da “justiça” que o que entendem é que a Lei Fundamental proíbe, não um duplo julgamento, mas uma dupla punição que faça interferir uma punição na outra, ou seja, proíbe uma dupla punição cumulativa pelo mesmo crime. Veja-se este exemplo:

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo

Processo: 01127/04
Data do Acordão: 14/12/2005

Tribunal: 1 SUBSECÇÃO DO CA

Relator: CÂNDIDO DE PINHO

Descritores: PENA DISCIPLINAR.

PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR.

SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO.

OFICIAL DE JUSTIÇA.

INCONSTITUCIONALIDADE.

ACTO RENOVADO.

CASO JULGADO.

PRINCÍPIO NE BIS IN IDEM.

Sumário: I - De acordo com o nº 5 do art. 4º do DL nº 24/84, de 16/01, com a instauração do processo de inquérito inicia-se um período de suspensão do prazo de prescrição que não termina antes do termo do mesmo processo.
II - A publicação do DL nº 96/2002, de 12/04 não fere o princípio da reserva de competência exclusiva da Assembleia da República, já que o diploma, que surge na sequência da declaração de inconstitucionalidade do Estatuto dos Oficias de Justiça pelo Ac. do Tribunal Constitucional nº 73/2002, de 20/02/2002, não visa estatuir em matéria substantiva de infracções disciplinares e regime de punição, mas sim redefinir a competência do poder disciplinar.
III - Não viola o caso julgado, e por isso não é nulo (art. 133º, nº2, al.h), do CPA), nem ofende o princípio “ne bis in idem” o acto administrativo que, renovando um anterior judicialmente declarado nulo por falta de atribuições, impõe a mesma pena disciplinar ao arguido no âmbito de novo ordenamento jurídico em matéria de competência sancionatória.
IV - Também não ofende o mesmo princípio “ne bis in idem” a aplicação de pena igual à anteriormente anulada e, entretanto, executada, se o acto renovador é mandado descontar na que fora já cumprida, impedindo-se assim uma duplicação de cumprimento de pena.

Nº Convencional: JSTA00062736

Nº do Documento: SA12005121401127

Data de Entrada: 29/10/2004

Recorrente: A...

Recorrido 1: CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: REC CONT.

Objecto: DEL CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE 2003/01/19.

Decisão: NEGA PROVIMENTO.

Área Temática 1: DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL DISCIPLINAR.

Área Temática 2: DIR JUDIC - EST OFIC JUST.

Legislação Nacional: CP95 ART121.

EDF84 ART3 ART4 ART11 ART12 ART13 ART14 ART25.

CONST97 ART29 ART165 ART218.

L 23/98 DE 1998/05/25 ART6

DL 376/98 DE 1998/12/11 ART95 ART107 ART136 ART138.

DL 343/99 DE 1999/08/26 ART98 ART111.

L 29/99 DE 1999/05/12 ART7.

CPA91 ART133.

Jurisprudência Nacional: AC STAPLENO PROC42203 DE 2005/12/06.; AC STA PROC42460 DE 1999/10/19.; AC STA PROC742/03 DE 2004/05/26.; AC STA PROC269/03 DE 2004/11/30.

No exemplo se afirma: “Improcedendo o vício anterior, igual sorte merecerá o que o recorrente invocou sobre a pretensa violação do princípio “ne bis in idem”.Este princípio, com assento no artigo 29º, n .º 5 da CRP e recebido no âmbito disciplinar no art. 14º, nº1, do Estatuto dos Funcionários citado - e que, conforme doutrina e jurisprudência unânimes, é aplicável a todos os procedimentos de natureza sancionatória - dispõe que “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”.Trata-se de uma disposição que preenche o núcleo fundamental de um direito: o de que ninguém pode ser duplamente incriminado e punido pelos mesmos factos sob o império do mesmo ordenamento jurídico. Convém advertir, porém, que a força que dela emana só funciona nos casos em que o pressuposto da pena efectiva esteja presente, porque só a sobreposição de penas efectivas radicadas no mesmo facto ilícito conforma a valoração dogmática do princípio. Isto é, não basta para o accionar relevantemente que o agente da acção por esta seja reprimido. É necessário que a punição interfira decisiva e definitivamente na esfera de direitos e interesses do indivíduo. E tal não acontece quando uma pena vem a ser eliminada da ordem jurídica em virtude, por exemplo, do êxito de uma pretensão reactiva e anulatória de feição contenciosa. Deste modo, porque a primeira sanção foi declarada nula, não se pode dizer que a segunda colide com aquele princípio. Razão pela qual se não mostram ofendidos as disposições dos arts. 14º, nº1 do DL nº 24/84, de 16/01, 133º, nº2, al.d), do CPA e 29º, nº5, da CRP, nem a Declaração Universal dos Direitos do Homem.”
Neste exemplo, os operadores políticos da “justiça” decidiram punir uma funcionária, por razões “políticas”, violando frontalmente a CRP e a Lei.
Já neste outro exemplo, que se pode ver AQUI, em que, ou por razões “políticas” a favor do visado ou porque o subscritor não era um operador político da “justiça”, afirma-se, respeitando a CRP e a Lei:
“I - No âmbito disciplinar, o princípio "non bis in idem" consagrado no art. 29 n. 5 da CRP, encontra-se estabelecido no art. 14 n. 1 do Dec.-Lei n. 24/84, de 16 de Janeiro.II - Este preceito proibe o duplo julgamento pelo que não podia instaurar-se novo processo disciplinar e punir o arguido (ora recorrente) pelos mesmos factos constantes de processo disciplinar anterior no qual foi proferido acto punitivo que veio a ser anulado pelo S.T.A. com fundamento em erro nos pressupostos de facto por não se poderem dar como provados os factos em que assentou a punição.III - Esse novo acto punitivo é nulo por ofender o conteúdo essencial do direito fundamental de defesa do arguido e também o caso julgado - art. 133 n. 2 al. h) e 134 n. 2 ambos do C.P.A. e 9 n. 2 do Dec.-Lei n. 256-A/76 de 17/6.”
Claro que quem lê a Constituição, designadamente o seu preceito inicialmente citado, sabe que apenas esta última posição é que é constitucional e legal e que a primeira referida o não é.
ENFIM, O MAL NÃO ESTÁ NA LEI!
ESTÁ NOS OPERADORES POLÍTICOS DA “JUSTIÇA”, QUE FAZEM “POLÍTICA” COM A CONSTITUIÇÃO E COM A LEI, CONFORME COM OS “INTERESSES” EM JOGO!


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREITAS, Victor Rosa de, Blog Vickbest: http://vickbest.blogspot.com/2010/02/o-principio-ne-bis-in-idem-e-os.html, publicado em 23 de fevereiro de 2010.

PINHO, Cândido de, Acórdãos STA , Acordão Supremo Tribunal Administrativo Português, Processo: 01127/04, Data do Acordão: 14/12/2005.
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terça-feira, 6 de julho de 2010

Alimentos entre ex-cônjuges: renúncia expressa

INTRODUÇÃO

Deparando-me diariamente com o Direito de Família, principalmente com ações alimentares, encontrei muitas questões mal explicadas ou não reguladas por lei, muitas dúvidas formam me aparecendo. Ao aprofundar os estudos jurisprudenciais, observei um ramo jurídico que estava sendo construído não pela atividade legisferante, mas por uma série de julgados posicionados de maneira parecida e coerente com os objetivos almejados pela sociedade.
A partir de várias opiniões de juristas, operadores do Direito e outros profissionais do meio jurídico detectei que todos tinham dúvidas ou encontram-se com posicionamentos defasados do tema de renunciabilidade do direito de pleitear alimentos entre ex-cônjuges. Foi nesse momento que decidi dissertar sobre esse assunto. Deveria haver alguém disposto a se encarregar de estudar essa questão e dissecá-la para o meio jurídico, explanando os mais modernos e eficientes posicionamento a serem tomados no tema; me ofereci para resolver essa questão de maneira sucinta, direta e eficaz.
Para o aprofundamento do estudo, busquei livros editados em diferentes épocas, a fim de realmente comprovar como a mudança foi ocorrendo de maneira gradual e de acordo com os padrões sociais do momento.
Após horas de debates com experientes profissionais, tive que tomar um posicionamento: se era ou não favorável à renúncia aos alimentos entre ex-cônjuges e se esta era possível após a decretação do divórcio. No decorrer da obra, procurei colocar os mais diversos posicionamento, deixando para me manifestar somente após ter exposto as contraposições encontradas.
Espero com esse trabalho fazer uma espécie de informativo a toda classe de bacharéis em Direito que lidam nesse meio, visando atualizá-los no tema ou tentando sustentar um posicionamento fundamentado em argumentos racionais. Um texto para ser lido em um curto espaço de tempo, que servirá para reflexão e debates muito promissores, dirigindo-se não somente aos profissionais do campo jurídico como também ao meio acadêmico mais aprofundado no assunto.

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Alimentos, no sentido usual da palavra, significa toda substância necessária para manter funcionando o organismo dos seres vivos. No jargão jurídico, a palavra toma um significado diferente, trata-se do dever de subsistência que um parente ou cônjuge tem com seu semelhante, isto é, a denominação usada quando um deve ajudar ao outro em sua mantença, não somente em gêneros alimentícios, mas também em vestuário, saúde, educação e outras despesas que necessite de auxílio financeiro.
Dentro da unidade familiar existe um vínculo que faz com que cada parente tenha o dever de ajudar ao outro numa eventual necessidade. Porém é importante ressaltar, como bem fez Rolf Madaleno (1), a diferença entre obrigação alimentar de dever alimentar. A primeira existe dentro do núcleo familiar em primeiro grau, entre casal e seus filhos sob seu pátrio poder. O segundo entre parentes quando haja um vínculo que justifique a necessidade do auxílio. Em suma, dentro de uma família, cada um deve-se ajudar ao seu próximo em momentos de dificuldade.
Cabe salientar que, algumas décadas atrás, a mulher exercia um papel dentro da unidade familiar com cunho doméstico. A lei sempre procurou proteger a estrutura patriarcal da família brasileira. Tanto é que na dissolução da sociedade conjugal era quase inevitável que o cônjuge varão pensionasse sua consorte.
Nas décadas de sessenta e setenta, houve uma mudança nesse paradigma familiar. A "revolução" feminina fez com que toda a sociedade reconhecesse a importância e a capacidade das mulheres em relação aos homens. Foi um choque na estrutura totalmente machista da sociedade da época. Começou-se a valorizar o papel das mulheres, que começaram a encabeçar algumas famílias. O auge dessas mudanças no Brasil se deu no final da década de setenta, com o advento da Lei de n.º 6515/77, a tão famosa Lei do Divórcio, na qual se admitiu a possibilidade da pessoa realizar um novo casamento. A atual Constituição Federal veio convalidar a evolução feminina no âmbito jurídico, com a previsão da isonomia entre os sexos (art. 226, §5º, CF).
Ocorreu, curiosamente, que a atividade legislativa distanciou-se da influência que a Igreja Católica exercia sobre o nosso ordenamento jurídico. Atos jurídicos condenados pela religião oficial passaram a serem aceitos, como, na análise em questão, o instituto do divórcio. Esse afastamento mudou a visão da sociedade com relação a família, diferentemente da compreensão de décadas anteriores. No meio sociológico, constatou-se a perda de paradigmas da instituição familiar.
Considerando-se essas transformações, a idéia de alimentos diferenciou-se da havida anteriormente, deixando o seu cunho indenizatório e passando a ter caráter sustentatório, auxiliativo. Antigamente, os alimentos eram discutidos conforme a existência de culpa pela ruptura conjugal (2). O cônjuge culpado sofria os prejuízos. Hoje, essa concepção se tornou diferenciada. Alimentos são discutidos baseando-se na necessidade do cônjuge carecedor e na possibilidade do cônjuge alimentante, independentemente da responsabilidade pela dissolução da união.

2. O ACORDO ALIMENTAR COM VALIDADE CONTRATUAL

A decisão judicial de prestar alimentos pode ser determinada em via de sentença ou de acordo. O ponto a seguir abordará em via de acordo.
Todas as cláusulas e disposições presentes no pacto, ao serem homologados pelo juízo, passam a possuir validade executiva. Observa-se uma espécie de contrato, onde impera o adágio romano: pacta sunt servanta (3).
Nesta esteira, todo cuidado nas expressões a serem utilizadas é pouco, fazendo-se necessária devida cautela na seleção das palavras a serem utilizadas na elaboração do acordo, pois essas podem acarretar efeitos diversos do pretendido (4).
Como forma de proteção, o Direito está apto a detectar e não acatar cláusulas abusivas. O acordante tem seu direito limitado, visto que não lhe é permitido contratuar determinações contrárias ou incompatíveis com a legislação vigente; todavia, na renúncia alimentar entre ex-cônjuges, a jurisprudência vem construindo um novo caminho, o qual passou a ser aceito pelo direito e adquirindo eficácia própria.

De modo a evitar abusividades e contrariedades, a homologação do acordo alimentar requer o preenchimento de determinados requisitos. Não se pode permitir que vigore um acordo onde as partes não tenham ratificado suas disposições mediante audiência prévia ou firmado assinatura reconhecida no pacto. Neste diapasão, o Direito procura potencializar o acordo de forma que às partes não é permitido alegar ignorância das cláusulas contidas ou falsidade de firma.

3. CLÁUSULA DE RENÚNCIA EXPRESSA
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No campo da liberdade de contratar na dissolução da sociedade conjugal, fica possibilitada aos ex-cônjuges a alocação de uma cláusula, manifestando suas vontades, de renúncia ao direito de perceber alimentos de seu consorte.
O Código Civil, em seu art. 404, procurou estabelecer a impossibilidade jurídica do dissoluente em renunciar definitivamente ao seu direito à alimentos. Corroborando a norma, o STF editou a Súmula de n.º 379, onde confirma a incapacidade dos ex-cônjuges em versar sobre a renunciabilidade do direito indisponível do recebimento de auxílio do outro.
Defendendo a renunciabilidade dos alimentos por ex-cônjuges, a corrente jurisprudencial afirma que as legislações contrárias a esse direito foram revogadas ou não se aplicam ao caso. Dizem que o referido artigo da Carta Civil aplica-se somente a alimentos entre parentes, logo, como mulher não é parente, é inaplicável. Salientam que a Súmula deste assunto no STF foi revogada pela Lei do Divórcio, eis que a palavra "desquite", nela utilizada, foi exonerada do nosso ordenamento jurídico com a edição da Lei supra citada. Contudo, não são essas as alegações que fundamentam a possibilidade jurídica da renunciabilidade alimentar no âmbito entre ex-cônjuges.
Dirigiu-se o Direito, nesse particular, sendo governado pela jurisprudência, onde seguiu por rumos diferentes. Hoje, é consolidadamente aceita a cláusula de renúncia à alimentos exigíveis do ex-convivente.
No acordo alimentício, precisamente, a cláusula renunciadora deve ser redigida cautelosamente, pois nesse assunto não se aceita aplicação do disposto no art. 85 do Código Civil (5) (6).
Aos cônjuges, caso ambos pretendam renunciar ao seu direito de pensionamento, devem especificar a dualidade da cláusula. Com o advento da Carta Magna de 1988, onde estabeleceu a igualdade entre os sexos, ficou indispensável que o varão expressamente renuncie seu direito alimentar para proporcionar a segurança jurídica pretendida a sua mulher. Não se aceita renúncia tácita à um direito de tamanha dimensão. Na prática, basta-se lograr-se da palavra "reciprocamente" para acabar com qualquer contrariedade que ainda reste nesse assunto.

4. CONFLITO LEGISFERANTE: LEI VS. AUTONOMIA PRIVADA
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A finalidade buscada pelo Direito, como a maioria das pessoas pode pensar, seria a justiça. Entretanto, engana-se quem deixa de lado outras finalidade tão nobres ou mais do que a faculdade de dar a cada um aquilo que é seu (7). Dogmaticamente, a paz é o principal fim do Direito, logo após vem a segurança jurídica e, somente em terceira colocação, figura a justiça.
No âmbito da renunciabilidade alimentar entre ex-cônjuges, criou-se o ideal de aceitar a cláusula que visa tal objetivo. O dissoluente conjugal, ao ter a pretensão de estabelecer que seu consorte renuncie ao seu direito de lhe exigir alimentos, busca nada menos do que adquirir a segurança de que não lhe será acionado para pensionar seu ex-companheiro. Ele visa acabar com o vínculo alimentício, o qual apenas é dissolvido por uma cláusula dessa natureza, não extinguindo-se, como vem dizendo parte da doutrina, por ocasião da decretação do divórcio.
A legislação reguladora do assunto busca impedir a exoneração do vínculo alimentar que existe entre todas as pessoas que por algum momento viveram sob estado marital. Não é por objetivo questionar a vigência das normas reguladoras; apesar de seguirmos a opinião majoritária da doutrina, de que o art. 404 do CCB não se aplica à cônjuges e de que a Súmula 379 entrou numa estado decadencial, onde, na sociedade atual, o seu objeto de normatização tornou-se inexistente.
Chegou-se no paradoxo de que a autonomia da pessoa em contratar disputa espaço com a Lei; principal fonte de nosso ordenamento jurídico, severamente influenciado pela cultura romano-germânica. Incoube à jurisprudência a modernização e divulgação das decisões judiciais de reconhecimento da liberdade de contratar, transpondo-se à Lei, no campo abrangido pela obra.
Em síntese, é perfeitamente aceitável a renúncia alimentar dentro de nosso ordenamento jurídico, pois, nesse particular, a autonomia privada conseguiu, por mais errôneo que possa aparentar, ficar como uma fonte acima da Lei. Explicação para isso é bastante simples: ao passo que a lei reguladora do assunto procura fazer a justiça na igualdade das pessoas, a autonomia de acordar, nesses casos, tem como finalidade transmitir a paz e a segurança jurídica de seus pactuantes, fins esses acima da idéia de justiça no âmbito de objetivos do Direito.

5. RENÚNCIA E DISPENSA: DIFERENÇAS FUNDAMENTAIS

Por ocasião da partilha de bens do casal (a qual pode ocorrer não somente na separação, como no divórcio ou até mesmo em sua liquidação de sentença; sem entrar no campo das uniões de fato), pode um dos cônjuges, favorecido com um quinhão considerável de bens, que passaram exclusivamente a lhe pertencer, dispensar pensão alimentícia de seu ex-cônjuge. O dissoluente em nenhum momento afirmou que nunca mais queria possuir o direito de exigir alimentos, apenas garantiu que no momento não encontrava-se necessitando, em momento algum renunciou ao seu direito de pleitear alimentos do consorte.
O aspecto fundamental entre a renúncia e a dispensa alimentar consiste que a primeira exonera totalmente qualquer direito de pedir pensão ao outro, ao passo que a segunda desobriga momentaneamente o ex-convivente de auxiliá-lo, podendo vir pleitear posteriormente, caso comprovadamente necessite.
Consoante foi salientado anteriormente, uma cláusula no acordo alimentar onde se tinha a intenção de renunciar ao direito alimentar todavia utilizou erroneamente a expressão "dispensa" não é válida. Nesses casos de direito construído jurisprudencialmente, o previsto no art. 85 do Código Civil fica com sua aplicação prejudicada, pois os julgados são rígidos neste assunto, aceitando a eficácia da cláusula somente se nela estiver a expressão renúncia (8).
Nesse ponto da monografia, entendemos como de bom alvitre lançar um questionamento: será que todas as pessoas tem a capacidade de renunciar ao seu direito de exigir alimentos do ex-cônjuge? Precisa de algum grau mínimo de escolaridade para versar sobre um direito de tamanha dimensão ou basta ser orientado por um bacharel em Direito? É necessário que se fique com o boa quantidade de bens para se poder dispensar ou basta a consciência do cidadão de que pretende transmitir segurança jurídica ao seu ex-cônjuge?
Com certeza, todos têm o direito de versar sobre seu direito dessa natureza alimentar, contudo urge-se como pressuposto a devida assistência jurídica de um procurador. Outrossim, para ocorrer a dispensa alimentar deve-se estar guarnecido de um patrimônio que realmente o desnecessite de exigir pensão do consorte. É descabível ficar um cônjuge desamparado, sem pensão nem bens para se manter; ao mesmo tempo em que o outro desfrute de uma situação financeira confortável.

6. OMISSÃO DA CLÁUSULA DE RENÚNCIA

Ao dissolver uma sociedade conjugal, é facultativo às partes colocarem uma cláusula que verse sobre obrigação alimentar entre seus dissoluentes. Caso seja a vontade dos conviventes estipularem entre si alimentos ou até mesmo renunciá-los, a disposição é perfeitamente válida. Todavia, se por descuido ou preferência, o acordo omitir esta cláusula, não se pode pressupor uma renúncia aos direito de pleitear alimentos do consorte.
A falta de uma disposição estipulatória dessa natureza deve ser entendida como uma dispensa ao pensionamento, deixando-se aberta a possibilidade do pleiteamento posterior, caso venha a necessitá-los.
Seria incabível interpretar como uma forma de renúncia a não especificação da pensão entre os ex-cônjuges, visto que naquele momento a pessoa não viu como necessária a exigência da fixação de uma pensão para si, pois estava saindo com condições de se manter financeiramente.
Na legislação brasileira não existe qualquer dispositivo que obrigue os dissoluentes a esclarecerem que não estão pleiteando alimentos; existe sim, a previsão (9) de estipular pensão, caso o ex-convivente necessite auxílio de cunho financeiro.

7. NECESSIDADE POSTERIOR DE PENSÃO PELO EX-CÔNJUGE RENUNCIANTE

Conforme já foi dito, a cláusula de renúncia na forma expressa possui validade e torna-se perfeitamente eficaz se o ex-cônjuge vier a pleitear alimentos do outro, pois a disposição foi homologada em um acordo judicial e pode ser classificada como um ato jurídico perfeito, sendo inclusive amparado constitucionalmente (10).
Enfim é de suma importância salientar que qualquer espécie de requerimento feito pelo ex-cônjuge, por meio judicial, para pleitear alimentos anteriormente renunciados, será uma ação de alteração de cláusula, não podendo ser aplicado o rito processual previsto na Lei de Alimentos, imprimindo-se ao feito o rito ordinário.
Dentro do Direito de Família existe profundas divergências quanto extinção do vínculo alimentício entre ex-cônjuges por ocasião do divórcio. O posicionamento que se toma nesse ponto é fator determinante para se aceitar a possibilidade jurídica de pleitear alimentos após o divórcio tendo dispensado anteriormente; nem queremos discutir a possibilidade do pleiteamento caso tenha havido renúncia, pois nesse a cláusula já foi validada e, na ocasião, passar a integrar, conforme proposto por Pontes de Miranda (11), o plano da eficácia.
Para fins de comprovação de que o divórcio não extingue o vínculo alimentar existente entre os cônjuges, preliminarmente é preciso compreender que o direito de pleitear alimentos, após a decretação do divórcio, será um elemento integrante do preceito jurídico da norma. Por mais que se pense que uma pessoa não deva receber alimentos do consorte, pois tenha perfeitas condições de laborar, não podemos nos confundir com o seu direito de pleitear alimentos. A análise do caso particular será elemento integrante do suporte fático da norma. Cabe ao Julgador analisar os fatos apresentado nos autos da ação e ver se eles são passíveis de ocorrência do processo de subsunção ao preceito jurídico de persistência do vínculo alimentar após a decretação do divórcio. Preceito esse sustentado a seguir.
O modo mais simples de se entender a persistência da obrigação alimentar é através de um caso concreto. Hipoteticamente: João, 70 anos de idade, casado a 35 anos com Maria, 67 anos, decidem separar-se judicialmente. No momento, nenhum dos cônjuges pleiteou pensionamento do outro. Ela trabalhava como artista plástica, fazendo esculturas, as quais rendiam uma quantia satisfatória para sua mantença. Depois de um ano separados, João conhece Elizabete, 25 anos, e decidem constituir uma união matrimonial. Para isso, ele precisou divorciar-se de Maria, a qual continuava ganhando o suficiente para viver de maneira adequada. Realizado o matrimônio entre o novo casal, Maria, com 69 anos de idade, descobre que está acometida de uma doença que a impossibilita de praticar qualquer esforço físico, inclusive o seu labor como escultora. Depois de dois anos separada de João, ela, após ter vivido com ele por 35 anos de sua vida e incapaz de auferir rendimentos próprios, tem direito de lhe exigir pensionamento? Será que pelo simples fato deles terem se divorciado ela deva "morrer na miséria"?
É evidente que no caso é mais do que justo o pensionamento da ex-cônjuge. O caso fático pode até ser comovente, porém o pensionamento existe, pois além de haver suporte fático adequado, existe um preceito jurídico que determina o pensionamento. Caso contrário, a consorte em questão nunca poderia vir a ser pensionada, porque não haveria norma jurídica para ser aplicada. Então, essa norma existe, não podendo de modo algum estar condicionada a somente um tipo de caso. Logo, o preceito jurídico de alimentos persiste mesmo após o divórcio, bastando existir fatos que sejam passíveis da ocorrência da subsunção a este princípio legal. É de suma importância salientar que a ex-cônjuge, no exemplo dado, não havia renunciado ao seu direito de pleitear alimentos, apenas omitiu qualquer cláusula que condicionasse ao pensionamento pelo outro.

8. ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS E A TENDÊNCIA JURISPRUDENCIAL FUTURA
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Com o advento da Carta Constitucional em 1988, houve muitas mudanças no campo das relações conjugais. A introdução do princípio da isonomia entre os sexos foi um marco de toda a evolução feminina no contexto social. A partir de então, tanto homens quanto mulheres precisavam renunciar aos seus alimentos para não serem reclamados posteriormente. A Constituição Federal assegurou o direito adquirido, marco importante no âmbito das relações interpessoais.
Todas essas mudanças tiveram tamanha influência no posicionamento dos Tribunais Superiores. O nosso Superior Tribunal de Justiça integrou um entendimento radical, dito por muitos juristas como equivocado temporalmente. O STJ prima pela acatamento do cláusula de renúncia expressa entre ex-cônjuges, contudo exageradamente quer transmitir segurança jurídica aos divorciandos, pois afirma que a obrigação alimentar se dissolve com o divórcio. Nesse diapasão, o Supremo Tribunal Federal procurou tomar uma posição mais branda, porém não menos adiantada; diz que a renúncia alimentar é aceita desde que a mulher tenha condições de se manter ou tenha bens suficientes para isso. Não afirma que o divórcio extinga o vínculo de prestar auxílio entre ex-cônjuges, inclusive aceitando a existência de cláusulas abusivas.
Para o futuro, pelo posicionamento que vem sendo tomados pelos tribunais, é possível saber o destino desse assunto controverso. A cláusula de renúncia expressa já é reconhecida por quase todos os Tribunais de Justiça Estaduais, restam apenas alguns da região nordeste e centro-oeste nos quais o papel da mulher na sociedade não evoluiu no mesmo passo que em outros territórios.
Por mais tempo que passe, não se chegará a aceitar a extinção do vínculo alimentar entre cônjuges pelo divórcio, pois é mais do que uma questão de direito, é um princípio humanitário. Entretanto, a fim de acabar com as "pensões-parasitas", aquelas em que o cônjuge fica sendo pensionado pelo outro para o resto de sua vida, como se uma aposentadoria fosse, a tendência será a do estabelecimento, na maioria dos casos, de pensões temporárias regressivas. Trata-se de auxílio financeiro por um tempo preestabelecido suficiente para o cônjuge carecedor se reestruturar no mercado-de-trabalho e manter-se independentemente.

CONCLUSÃO
Das discussões dessa tema pode-se observar que restam muitos pontos controversos no assunto e questões ainda pendentes para serem debatidas em oportunidades futuras.
Durante toda explanação, subjetivamente foi possível constatar que a evolução do Direito de Família não se é estanque; é algo totalmente integrado no contexto social e que se desenvolve no passo das mudanças e comportamentos sociais. O Direito das Pessoas procura estar em constante aprimoramento, sendo um instrumento normatizador eficiente a todo momento.
A renúncia alimentar entre ex-cônjuges caminhou no mesmo ritmo que o papel feminimo na sociedade aprimorou-se. É o fruto de constantes lutas dentro da sociedade que gerou conseqüências benéficas e outras talvez indesejáveis.
Enfim, o Direito sempre procurou regular o convívio em sociedade, sendo necessário, para tanto, impor limites e objetivos aos seus alvos de regulação. Talvez pelo momento histórico de lutas presenciado no final do segundo milênio, coube à Ciência do Direito procurar transmitir a segurança jurídica às pessoas em seus momentos de aflições e inseguranças.
Deste modo, por todos os prismas que se pode evidenciar, as normas jurídicas de natureza alimentares procuraram acompanhar a evolução jurídica do final do século. Chegou-se ao extremo dos Tribunais Superiores se posicionarem de modo radical e extremamente precipitado.
Em síntese, a renúncia à alimentos é possível no âmbito estudado, sendo resguardado a real possibilidade material de exercê-lo. A vínculo alimentar é algo permantente nas relações pessoais. Contudo, fica assegurada a proteção dos direitos das pessoas menos esclarecidas de suas possibilidades.
As expectativas futuras prometem modificações. Na opinião pessoal, acho que as pensões entre ex-cônjuges tendem a desaparecer, não por extinção do vínculo alimentar, mas pelo ritmo em que os sexos se igualaram nas oportunidades de ascensão social. Esperamos que algum dia todos possam viver suas vidas da maneira desejada, com seus próprios rendimentos e sem depender de auxílio de ninguém. Entretanto, enquanto isso não ocorre, devem os operadores do Direito agirem de forma a amenizar as diferenças e garantir a paz e a segurança desejada por todos.


NOTAS

Na sua obra: Direito de Família – Aspectos Polêmicos. Editora Livraria do Advogado, págs. 49/50. Porto Alegre, 1998.
O estabelecido no artigo 19 da Lei 6515/77 (Lei do Divórcio) obriga o cônjuge culpado à pensionar o outro, norma essa já encontra-se em estado de decadência, não sendo mais utilizada pelos aplicadores do Direito.

"Os pactos devem ser cumpridos", obrigatoriedade essa no sentido mais kelsiano de imperatividade incondicional.
O nosso Código Civil procurou corrigir esse problema com o instituído no seu artigo 85, onde prevalece a intenção do declarante à linguagem utilizada por ele.

Vide nota n.º 3.

A jurisprudência se firmou no sentido de que, caso seja utilizada a expressão "dispensa" visando-se passar a idéia de renúncia definitiva, a cláusula torna-se ineficaz.
Definição essa de justiça extraída do dicionário Aurélio da língua portuguesa e fortemente influenciada pela cultura romana.
Posicionamento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça nos julgados mais clássicos do assunto.

Na Lei 6515/77, em seus arts. 19 e 40, II, a previsão de que se um dos cônjuges necessitar pensionamento ele deverá especificar no acordo alimentar.

Proteção regulada no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal de 1988.

Pontes de Miranda, na obra Tratado de Direito Privado, dividiu o Direito em três planos: existência, validade e eficácia.

BIBLIOGRAFIA

CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
PEREIRA, Sérgio Gishkow. Ação de Alimentos. Porto Alegre: Malheiros, 1983.

FELIPE, J. Franklin Alves. Prática das Ações de Alimentos. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

LIMA, Domingos Sávio Brandão. Alimentos do cônjuge na separação judicial e no divórcio. Cuiabá: PROEDI Editora Universitária da UFMT, 1983.

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Alimentos, Divórcio, Separação – Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1987.

MADALENO, Rolf. Direito de Família: aspectos polêmicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

PINHEIRO, Flávio César de Toledo. Comentários à Lei do Divórcio – Legislação e Prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978.
FELIPPE, Donald J. Petição do Dia-a-dia. Campinas: JULEX, 1987.
RYBA, Adriano. Alimentos entre ex-cônjuges: renúncia expressa. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 38, jan. 2000.

Por Adriano Ryba

Jus Navigandi

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