sábado, 7 de maio de 2011

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COMO SE ENSINA A SER MÃE E PAI? NOTAS SOBRE O DIREITO DE FAMÍLIA E AS RELAÇÕES DE GÊNERO


Ao longo de minha trajetória acadêmica, passei a fazer relações entre o direito e a educação. Assim, entendo o direito como uma forma de síntese do que se produz dentro de nossa cultura sobre infância e família, um espaço que articula e conecta muitos discursos (da psicologia, da medicina, da moral cristã etc.) e forma um novo que legisla e regula a sociedade como um todo. Desse modo o discurso jurídico se torna locus privilegiado para se pensar na cultura contemporânea. 
Mas afinal, o que isso tudo tem a ver com a educação? Educação, neste contexto, extrapola as relações escolares de aprendizagens. Ao ampliar o conceito de educação, toma-se como processo educativo todas as instâncias e práticas que tornam um indivíduo sujeito de determinada cultura. Dessa forma, são entendidas como pedagógicas as artes, as políticas públicas, as mídias, os processos de socialização, as leis etc. (MEYER, 2003). Assim, pode-se dizer que ao regular e estabelecer leis sobre a família, o casamento e os/as filhos/as, o direito de família ensina formas de ser homem, mulher, marido, esposa, etc. O que pretendi durante essa pesquisa, foi olhar para o direito de família como quem lê um texto buscando problematizar e evidenciar que posições de sujeito e representações são produzidas sobre família e parentesco através de um olhar das relações de gênero e sexualidade. 
Para tanto, utilizei referenciais dos Estudos de Gênero e de Sexualidade Pós-estruturalistas para pensar como, dentro de determinada cultura, é possível produzir essas leis e não outras. Busco, a partir de uma análise de discurso, multiplicar os significados postos no direito de família, tentando articulá-los com o que se coloca na cultura de forma mais geral.  
Nessa direção, a cultura é entendida como o local em que se compartilham e se produzem significados. Constitui-se como um campo de luta e de conflitos pelo poder de significar sujeitos e objetos existentes (JOHNSON, 2004). A cultura é, então, lugar de aprendizagens sobre o ser homem, mulher, mãe, pai, jovem, velho… Desse modo, ao analisar uma produção cultural, a lei, é possível dizer que também ela está implicada com a produção de modos de ser homem, mulher, pai, mãe, filhos e filhas, marido e esposa. Desse modo, olhando para o subtítulo II – das relações de parentesco, busco mapear de que modos família e parentalidade são colocados nesta legislação e como essas representações estão atravessadas e imbricadas com produções de gênero.  Isso se torna relevante na medida em que alguns grupos dizem não se reconhecer dentro dessa  legislação e lutam politicamente pela sua inclusão na norma jurídica, já que ela delimita, de alguma forma, quem são os sujeitos de direito e os/as cidadãos/ãs em nossa cultura.  

O Direito de Família 

O Direito de Família constitui o Livro IV da Parte Especial do Código Civil, junto ao Direito das Obrigações, de Empresa, das Coisas e das Sucessões. O direito de família, na ótica de diversos comentadores do direito, busca regular as relações que se estabelecem a partir de vínculos afetivos. Assim, pode-se pensar no direito de família como lugar de normatização das relações interpessoais indicando formas adequadas, corretas e saudáveis de constituição dos vínculos socioafetivos. Neste trabalho, quero olhar apenas para o Subtítulo II Das Relações de Parentesco, procurando analisar de que modos se ensina a ser mãe e pai de determinados modos dentro dessa legislação. 
O código civil que abriga o Livro do Direito de Família que estou colocando em análise foi sancionado pelo presidente da República em 10 de janeiro de 2002, sob o número 10.406, entrando em vigor em 10 de janeiro de 2003. Segundo vários autores, o Código Civil anterior, de 1916, estava baseado no princípio da propriedade. Especialmente o Direito de Família deste primeiro código se colocava com ênfase no patrimônio e na sucessão, colocando a legitimidade da família como essencial para a sucessão de herança. Para Simone Ribeiro, “diante do tratamento constitucional [e do novo código civil], seus participantes [da família] devem-se mutuamente: respeito e fidelidade, assistência moral e material, competindo a ambos a guarda e o sustento dos filhos comuns” (2002, p.17). Segundo esta autora, isso seria uma inovação em nosso direito, já que até então se baseava no direito à propriedade e na sucessão de patrimônio.  
Essa noção da família como comunidade de afeto, parece ser o grande diferencial do atual código. Ao mesmo tempo, Paulo Lobo (2005) defende que se rompe com “as definições biológicas”, entretanto boa parte do código trata dos vínculos naturais em detrimento dos civis. 

A constituição da família 

Trabalharei aqui pensando na centralidade da infância, na consanguinidade e no amor como enunciados presentes nesse discurso. Família não é um conceito homogêneo e fixo, mas sim, uma construção cultural que significa, por meio da linguagem, o que se entende por família ao longo do tempo em determinados locais. Isso implica uma multiplicidade de entendimentos sobre o que é família e, também, uma multiplicidade de possibilidades de se relacionar com ela e dentro dela.  Segundo historiadores/as culturais, o entendimento de que a família é o lugar de socialização e educação das crianças é um evento bastante recente nas sociedades ocidentais. Segundo Donzelot (2004), foi apenas no século XVIII, quando a criança se tornou o centro e o fim último da vida familiar, que surgiram ensinamentos diretos sobre a relação e a constituição familiar. O discurso médico-higienista, aliado ao da assistência social, buscava ensinar aos ‘necessitados’ formas de adequar-se econômica e socialmente através da organização familiar, permitindo aos seus filhos e filhas melhores condições de vida no futuro. Essas  políticas de assistência e controle da vida são chamadas por Foucault de biopolíticas. É essa forma de poder que se alastra pelo corpo social que constitui as práticas de governamento. Pode-se dizer nessa direção que as leis são também uma prática de governamento, uma vez que elas buscam atingir a população como um todo nas questões principalmente ligadas à família e à natalidade. É nesse contexto histórico que surge uma ênfase na família nuclear, baseada no casal e sua prole, restringindo a participação da família extensa ou ampliada nas questões de educação, especialmente moral, e de cuidado das crianças.
Assim, consolidava-se uma noção de infância que a define como um período diferenciado do desenvolvimento humano que exige cuidados e educação. As crianças passam ser o que, de alguma forma, sacraliza a existência de uma família. Sendo a infância uma construção “cultural por excelência”, como destacou Bujes (2000), a constante presença de crianças vivendo, brincando e trabalhando na rua, no período e nas sociedades estudadas por Ariès, não necessariamente era tratada e significada como desatenção, descuido ou, em última análise, violação aos direitos das crianças, como acontece hoje em dia.  
 A ideia de uma união de esforços do estado, da família e da sociedade como responsáveis pelas crianças tem uma história recente no Brasil, culminando, em 1990, com o ECA que passa a garantir a visão destes indivíduos enquanto cidadãos e sujeitos de direito. Assim, foi se produzindo uma determinada verdade sobre a infância, fazendo com que as outras formas de viver essa parte da vida fossem consideradas inadequadas ou não-infâncias. Estas verdades e discursos vão se intensificando à medida em que outras ações e políticas vão sendo criadas para a população infantil. Pode-se dizer, então, que, construiu-se uma noção de que a infância pressupõe educação, convivência familiar e comunitária, cuidado e proteção (BRASIL, 1990). 
O sujeito infantil, proclamado pelos discursos jurídicos e psicológicos, está no centro das atenções de políticas públicas, programas de inclusão, serviços, enfim, no centro da sociedade, já que ele é de responsabilidade da família, do estado e da sociedade em geral, como nos diz a Constituição de 1988 e o ECA. É esse movimento de visibilizar ao máximo o sujeito infantil enquanto sujeito político, que venho chamando de politização da infância. 
Assim, colocando a infância no centro das políticas públicas e do atendimento às famílias pobres, entendo que vai se produzindo uma ampla rede de politização da infância, posicionando os seus problemas como prioritários nas metas de governo. Dessa forma, visibiliza-se também aqueles a quem se imputa a maior responsabilidade no gerenciamento da educação e do cuidado das crianças: a família. Pode-se dizer que o direito de família trata o sujeito infantil basicamente como filho e é a partir dessa posição de sujeito que quero discutir a noção de família. As crianças parecem dar sentido e concretizar o que é uma família, por exemplo, quando a Constituição Federal diz em seu artigo 226, parágrafo 4º, que família é toda comunidade de pais e filhos ou um dos pais e os filhos. Desse modo, pode-se inferir que um casal sem filhos não tem a mesma importância política e legal que casais com filhos. O direito de família, nessa direção, é algo que, além de produzir uma heterossexualidade compulsória, está regido, atualmente segundo seus interpretadores, a partir do princípio do amor. 
Amor aos filhos, amor aos pais, amor ao cônjuge. Esse sentimento, hoje tão propalado foi inventado e tanto mais vem sendo reiterado pela legislação. Ao regulamentar o ritual do casamento, por exemplo, condutas que procuram garantir a livre e espontânea vontade deste ato são exigidas para que se possa realizá-lo.  De algum modo, essa celebração do afeto e do amor constatada pelos interpretadores do direito na legislação acaba por regular as relações familiares, os sentimentos e afetos, algo de foro intimo e privado que termina jogado na esfera pública através das leis. Dessa forma, essa regulação é feita a partir de algo que se diz impossível mensurar, mas que parece possível de legislar: os sentimentos. Portanto, essa regulação, essa medida  é realizada através de atitudes que são qualificadas como de cuidado, carinho e, sobretudo de amor. 
Porém o cuidado – considerado representativo do amor – também é um conhecimento e, portanto, pode-se aprender a cuidar de inúmeras formas a cada tempo e contexto. Nessa direção, está legitimando-se uma dada forma de conhecimento que implica um determinado tipo de cuidado. No âmbito das políticas públicas, por exemplo, para garantir que de alguma forma esses cuidados sejam levados a cabo, programas como o Primeira Infância Melhor (PIM) – anlisado por Carin Klein (2006) – são criados para ensinar as mulheres-mães a cuidar de forma ‘adequada’ de seus filhos e filhas.  
Em minha dissertação de mestrado (FERNANDES, 2008), pude ver que a pobreza é uma parte desse contexto e ela limita algumas possibilidades, entre elas o tipo de cuidado e aquilo que seentende por cuidado nessa família. É como se a pobreza imprimisse uma “suposta imoralidade” às famílias, comprovada nesse caso pela saída das crianças para a rua. Essas formas alternativas de cuidado são aquelas que a cultura em que vivemos não reconhece diretamente como cuidado. No material empírico analisado, esses cuidados eram expressos algumas vezes como deixar o/a filho/a com uma tia, chamar o Conselho Tutelar para tentar conter a criança, colocar na rua para pedir e assim conseguir comprar comida, fraldas, roupas. Tais atitudes são em alguma medida representadas como erradas, negligentes, maus-tratos etc., e vão posicionando essas famílias e, em especial, as mulheres-mães, como não-mães, sem amor pelos filhos e sem o comportamento esperado pela sociedade que lhes faria ter ‘maior cuidado’.  
Cynthia Sarti (2002) afirma que o ECA “dessacraliza a família”, ao dizer que as crianças devem ser protegidas inclusive de seus familiares, se esse for o caso. Porém “esse recurso legal é frequentemente utilizado para estigmatizar as famílias pobres, definidas como desestruturadas, ‘incapazes de dar continência a seus filhos’” (SARTI, 2002, p.24s). Ao mesmo tempo, a família – mesmo colocada sob suspeita – ainda é considerada o melhor local para o desenvolvimento das crianças, sendo a destituição do poder familiar a última atitude a ser tomada pelos órgãos responsáveis, uma vez que a família, especialmente  a biológica, assume um lugar considerado insubstituível para a formação das crianças. Um exemplo deste efeito que ao mesmo tempo exalta e coloca sob suspeita a família é o artigo 1.616 do CC: 
A sentença que julgar procedente a ação de investigação produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento; mas poderá ordenar que o filho se crie e eduque fora da companhia dos pais ou daquele que lhe contestou essa qualidade. 
Esse artigo determina que, caso a paternidade seja contestada, seu resultado terá os mesmo efeitos da ação de reconhecimento de filhos, ou seja, será repassado ao registro de nascimento. Contudo, a contestação da paternidade pode acarretar que aquele(a) que contestou a paternidade não tenham direito a convivência com a criança. Isso implica que a contestação de paternidade pode ter efeitos adversos caso não se confirme a suspeita, o fato de ter duvidado, ou de ter tentado ‘fugir’ da paternidade pode impor a pena de não conviver com o filho. Ao mesmo tempo, essa contestação, embora não esteja restrita ao pai, parece ser possível apenas a ele, uma vez que: Quando a maternidade constar do termo do nascimento do filho, a mãe só poderá contestá-la, provando a falsidade do termo, ou das declarações nele contidas. (Art. 1.608) Desse modo, coloca-se bastante claro que a maternidade é bem mais difícil de ser contestada do que a paternidade. Essa condição da maternidade está ligada a discursos mais antigos e que vem sendo reatualizados constantemente pela psicologia, pela genética, pelo senso comum que colocam a maternidade como um instinto, como algo natural e que não há contestações. Esse pressuposto parece contradizer também tudo o que vem sendo dito sobre os vínculos no Novo Direito de Família serem mais afetivos e sociais. Uma vez que a maternidade pode ser constatada através do registro de nascimento lavrado a partir do registro de nascido vivo fornecido na maternidade à parturiente, se coloca a relação de maternidade como origem biológica/genética, algo que não está assentado nos laços socioafetivos. Ora, se a maternidade é entendida como um amor natural, instintivo de uma mulher para com seus rebentos, se está naturalizando uma relação que se constitui no social: o amor e o cuidado para com as crianças. 
Essa naturalização do amor materno, de algum modo, acaba por condenar as mulheres que não o tem, ou não o querem ter como desnaturadas, negligentes, criminosas (já que se pode processar uma mãe ou um pai civilmente por negligência), desviantes. Através dos discursos que circulam neste contexto pode-se notar que há uma valorização dos laços consanguíneos. A consanguinidade é o que rege a organização das políticas públicas e das leis, especialmente no direito de família e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Na medida em que a legislação confere aos genitores plenos direitos e responsabilidades sobre sua prole, pode-se dizer que a consanguinidade confere legalidade a essas relações. 
A matriz biológica é reiterada e legitimada com essas atitudes a responsabilizar-se pelos seus filhos e filhas e está ancorada especialmente na figura da mulher-mãe, sendo de alguma forma concentrada nesse sujeito. Essa legitimação da consanguinidade, de algum modo provoca a confusão entre o direito à origem genetica e o estado de filiação. A origem genética, segundo Paulo Lobo (2004), é um direito da personalidade que todo individuo tem de conhecer sua origem genética, inclusive para fins de tratamentos de saúde e de bem estar psíquico, uma vez que se entende como necessário a todo o ser humano o conhecimento de suas origens. Já o estado de filiação, segundo o mesmo autor, está na área do direito civil e ligado fundamentalmente com a 
posse do estado de filho, ou seja, ser amado, cuidado e protegido moral, civil e socialmente por alguém que se considere pai ou mãe. Dessa forma, enquanto um está ancorado na biologia e na paternidade pode impor a pena de não conviver com o filho. Ao mesmo tempo, essa contestação, embora não esteja restrita ao pai, parece ser possível apenas a ele, uma vez que:  Quando a maternidade constar do termo do nascimento do filho, a mãe só poderá contestá-la, provando a falsidade do termo, ou das declarações nele contidas. (Art. 1.608) 
Desse modo, coloca-se bastante claro que a maternidade é bem mais difícil de ser contestada do que a paternidade. Essa condição da maternidade está ligada a discursos mais antigos e que vem sendo reatualizados constantemente pela psicologia, pela genética, pelo senso comum que colocam a maternidade como um instinto, como algo natural e que não há contestações. Esse pressuposto parece contradizer também tudo o que vem sendo dito sobre os vínculos no Novo Direito de Família serem mais afetivos e sociais. Uma vez que a maternidade pode ser constatada através do registro de nascimento lavrado a partir do registro de nascido vivo fornecido na maternidade à parturiente, se coloca a relação de maternidade como origem biológica/genética, algo que não está assentado nos laços socioafetivos. Ora, se a maternidade é entendida como um amor natural, instintivo de uma mulher para com seus rebentos, se está naturalizando uma relação que se constitui no social: o amor e o cuidado para com as crianças. 
Essa naturalização do amor materno, de algum modo, acaba por condenar as mulheres que não o tem, ou não o querem ter como desnaturadas, negligentes, criminosas (já que se pode processar uma mãe ou um pai civilmente por negligência), desviantes. 
Através dos discursos que circulam neste contexto pode-se notar que há uma valorização dos laços consanguíneos. A consanguinidade é o que rege a organização das políticas públicas e das leis, especialmente no direito de família e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Na medida em que a legislação confere aos genitores plenos direitos e responsabilidades sobre sua prole, pode-se dizer que a consanguinidade confere legalidade a essas relações. 
Dessa forma, enquanto um está ancorado na biologia e na consaguinidade, o outro se coloca dentro dos laços  afetivos e sociais. Contudo, o discurso legal hegemônico que outorga a família biológica como ‘o’ lugar das crianças está ligado a teorias psicológicas do desenvolvimento que acabam por embasar a formulação jurídica do bem-estar das crianças e adolescentes (KLEIN, 2003). Ao mesmo tempo, essa família biologicamente herdada tem obrigação e responsabilidade civil e penal (uma vez que o abandono ainda é crime) de querer e acolher as crianças que gera, cuidando delas de forma qualitativa e eficaz para que cresçam de forma saudável. 
Essa biologicidade das relações familiares está incorporada em nossa cultura como algo fundante e legitimador da família. Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, todas as crianças e jovens precisam ter alguém que se responsabilize por elas e eles. É necessário que um sujeito adulto tome para si a responsabilidade de cuidar e educar esse sujeito infantil e jovem. Assim, entende-se culturalmente que essa responsabilidade é daquele e daquela que geraram essa criança, ou seja, dos pais biológicos. Com isso, confere-se especialmente aos sujeitos pai e mãe essa tarefa, já que, pelo registro de nascimento3, eles são colocados como os responsáveis por essa criança. O sangue é tomado como uma entidade que extrapola os limites da convivência e da ação humana.  
Ele se torna um ente quase ‘divino’ que liga as pessoas ‘naturalmente’ por compartilharem a mesma carga genética. Atualmente, os exames de DNA têm sido buscados como a verdade sobre as origens e sobre a filialidade e paternidade (FONSECA, 2004). Dessa forma, o DNA atua como forma de reafirmação da biologicidade da organização familiar. Ou seja, por mais que as políticas públicas tenham investido em definições de família mais amplas (BRASIL, 2006), a utilização de exames como o de DNA para definição de paternidade reforça os laços consanguíneos e biológicos como uma essência das organizações familiares. 
Alguns fechamentos 
Procurei, através deste artigo, indicar alguns dos modos como o direito de família ensina a ser e viver em família. Assim, uma dimensão central é a questão da infância como célebre e último objetivo da família. Para dar conta da educação e do cuidado das crianças outras dimensões como o amor e a consanguinidade se colocam como fundamentais. 
Ao mesmo tempo em que a nossa cultura começa a admitir múltiplas formas de viver o ser homem, o ser mulher, jovem e velho, a infância e os modos de lidar com ela parecem ainda estar intocados. Admite-se uma nova infância, mas que precisa de ainda mais cuidados, carinho, afeto. A família, guardiã primordial das crianças, permanece do mesmo modo fixada nas posições tradicionais de homem-pai e mulher-mãe, sendo ainda reforçada pela legislação, pelas teorias psicológicas e educacionais. 
Nessa direção, gênero é um organizador da cultura e da família, mobilizando e marcando símbolos e instituições como a família e o direito. Em muitos locais da cultura, reforçados por elementos da legislação, mesmo que haja pai e mãe, é a mulher-mãe que será chamada, acionada e legitimada a criar e educar os/as filhos/as do casal. Maria Simone Schwengber (2007) afirma que, desde a gravidez, a mulher é posicionada como quem gere e despende cuidados e carinho. Assim, as mulheres-mães são, de algum modo, ensinadas por muitas instâncias a se responsabilizar pelos/as seus/suas filhos/as, enquanto aos homens-pais é facultado o direito de contestar a paternidade e, ainda que a paternidade seja comprovada, pode-se ordenar que a criança não se crie e eduque junto a este sujeito, recaindo novamente à mulher-mãe a responsabilidade unilateral pela criação das crianças. 
Frente a isso, as relações entre homens e mulheres  nas posições de pais e mães se coloca desigual e diferenciada mesmo na legislação que se  considera igual e equitativa a todos(as). Questões como essas carecem ainda de ser debatidas e enfrentadas, especialmente em esferas tão consagradas como a família e o direito.

Por Letícia Prezzi Fernandes


Bibliografia 

BRASIL,  Orientações para o acompanhamento das famílias beneficiárias do programa BolsaFamília no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), versão preliminar. Brasília, DF: 
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Secretaria Nacional de Assistência Social; Secretaria Nacional de Renda de Cidadania, 2006. 
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília: 1990. 
BRASIL. Constituição Federal. Brasília: 1988. 
BUJES, Maria Isabel. O fio e a trama: as crianças nas malhas do poder. In: Educação e Realidade, v.25, n.1 (jan/jun) p.25-44. Porto Alegre: FACED/UFRGS, 2000. 
DONZELOT, Jacques. A polícia das famílias. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2001. 
FERNANDES, Letícia Prezzi.  Nas trilhas da família... Como é o que um serviço de educação social de rua ensina sobre relações familiares. UFRGS. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2008. 
FONSECA, Claudia.  A certeza que pariu a dúvida: paternidade e DNA. In: Estudos Feministas, v.12, n.2, p.13-34. Florianópolis, 2004.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber, tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J.A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro, edições Graal, 2005 (16ª edição). 
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987. 
JOHNSON, Richard. O que é, afinal, Estudos Culturais? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org). O que é, afinal, Estudos Culturais? Belo Horizonte: Autêntica, 2004, p.7-132. 
KLEIN, Carin.  Educação e(m) saúde para uma “infância melhor”:  maternidades e paternidades que se configuram em biopolíticas de inclusão social. UFRGS. Proposta de Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2006. 
________.  Um cartão [que] mudou nossa vida?: maternidades veiculadas e instituídas pelo Programa Nacional Bolsa-Escola. 2003. Dissertação (Mestrado em Educação) - FACED, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003. 
LOBO, Paulo. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. In: Revista CEJ, Brasília, n. 27, p. 47-56, out./dez. 2004. 
MEYER, Dagmar Estermann. Gênero e educação: teoria  e política. In: LOURO, Guacira L., NECKEL, Jane F. e GOELLNER, Silvana Vilodre.  Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. 
RIBEIRO, Simone Clós Cesar. As inovações constitucionais no Direito de Família. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: . Acesso em: 04 jan. 2009. 
SARTI, Cynthia. Famílias enredadas. In: ACOSTA, Ana Rojas; VITALE, Maria Amália (orgs.). Família: redes, laços e políticas públicas. São Paulo: Cortez, 2002. 
SCHWENGBER, Maria Simone. A produção da mãe leve, flexível, forte nas páginas da Pais & Filhos. In: Anais da 30ª Reunião Anual da Anped. Caxambu (MG), 2007. 





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domingo, 1 de maio de 2011

ADOÇÃO - O QUE É A ADOÇÃO, SEUS EFEITOS E FORMAS PARA SE ADOTAR



Adoção - o que é a adoção, seus efeitos e formas para se adotar. 

1. CONCEITO: 

A adoção é a modalidade artificial de filiação que busca imitar a filiação natural, este ato civil nada mais é do que aceitar um estranho na qualidade de filho, pois não resulta de uma relação biológica, mas de manifestação de vontade ou de sentença judicial. A filiação natural repousa sobre o vínculo de sangue enquanto a adoção é uma filiação exclusivamente jurídica que se sustenta sobre uma relação afetiva. A adoção é, portanto, um ato jurídico que cria relações de paternidade e filiação entre duas pessoas e este ato faz com que uma pessoa passe a gozar do estado de filho de outra pessoa. Nesse sentido traz Caio Mário da Silva Pereira: “A adoção é o ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como filho, independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentesco consangüíneo ou afinidade”. 

Uma definição no sentido mais natural é conceber um lar a crianças necessitadas e abandonadas em face de várias circunstâncias, como a orfandade, a pobreza, o desinteresse dos pais biológicos e os desajustes sociais que desencadeiam no mundo atual. A adoção visa dar as crianças e adolescentes desprovidos de família um ambiente de convivência mais humana, onde outras pessoas irão satisfazer ou atender aos pedidos afetivos, materiais e sociais que um ser humano necessita para se desenvolver dentro da normalidade comum, sendo de grande interesse do Estado que se insira essa pessoa em estado de abandono ou carente num ambiente familiar homogêneo e afetivo. A adoção, vista como um fenômeno de amor e afeto, deve ser incentivada pela lei. 

No direito brasileiro, a adoção não pode ser havida no sentido de contrato, tanto é assim que, Washington de Barros Monteiro traz: “Igualmente, não é possível subordinar a adoção a termo ou condição. A adoção é puro ato, que se realiza pura e simplesmente, não tolerando as aludidas modificações dos atos jurídicos. Quaisquer cláusulas que suspendam, alterem ou anulem os efeitos legais da adoção são proibidas; sua inserção na escritura anula radicalmente o ato.” O autor faz menção ao art. 375 do Código Civil de1916. 

A adoção, na modernidade, preenche duas finalidades fundamentais: dar filhos àqueles que não os podem ter biologicamente e dar pais as pessoas desamparadas. Isto visto a condição a que se refere o art. 1.625 do CC: “Somente será admitida a adoção que constituir efetivo benefício para o adotando.” O art. 43 da Lei 8.069/90 diz: “A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos.” Ao decretar uma adoção, o ponto central de exame do juiz será o adotando e os benefícios que a adoção poderá lhe trazer. 

2. ELEMENTOS HISTÓRICOS 

Encontra a adoção sua origem mais remota em épocas anteriores ao direito romano, com a finalidade de perpetuar o culto dos antepassados, onde o filho adotado prolongava o culto do pai adotivo e posteriormente a adoção vai ter a função de transmitir ao adotado o patrimônio do adotante. 

O Código de Hamurabi traz em seu parágrafo 185: “Se um awilum adotou uma criança desde seu nascimento e a criou, essa criança adotada não poderá ser reclamada.” E no parágrafo 186: “Se um awilum adotou uma criança e, depois que a adotou, ela continuou a reclamar por seu pai ou sua mãe, essa criança adotada deverá voltar à casa de seu pai”. O termo awilum significa capaz. 

Foi em Roma onde se mais desenvolveu o instituto da adoção, com a finalidade primeira de proporcionar prole civil aqueles que não tinham filhos consangüíneos. Mais tarde, com Justiniano, foi simplificada a adoção, o pai natural e o adotante compareçam com o filho na presença do magistrado e expressavam a disposição de o primeiro entregar o filho e o segundo de adotá-lo. Lavrava-se um termo de adoção, que passava a ser o documente comprobatório da nova filiação. Houve um tempo em que a adoção teve um declínio muito grande, até que foi restaurada por Napoleão Bonaparte, que não tinha herdeiros para sua sucessão. Constou introduzida no Código Civil Francês em 1804, mesmo assim raramente era colocada em prática. 

3. QUEM PODE ADOTAR 

As regras para a adoção devem respeitar o Código Civil constantes nos artigos 1.618 a 1.629 e o Estatuto da Criança e do Adolescente nos artigos 39 a 52. O art. 42 da Lei 8.069/90 diz que: “Podem adotar os maiores de vinte e um anos, independentemente de estado civil”. O Código Civil de 2.002 baixou o limite para a adoção, o art. 1.618 instrui: “Só a pessoa maior de 18 (dezoito) anos pode adotar”. Pensam alguns que a idade de dezoito anos não é o suficiente para o adotante ter consciência plena de seu ato, embora atingida a maioridade, alegam que maioridade não significa maturidade. 

Sobre a adoção por pessoas casadas, o § 2º do art. 42 da Lei nº. 8.069/90 determina: “A adoção por ambos os cônjuges ou concubinos poderá ser formalizada, desde que um deles tenha completado vinte e um anos de idade, comprovada a estabilidade da família”. Por sua vez, está no parágrafo único do art. 1.618 do Código Civil: “a adoção por ambos os cônjuges ou companheiros poderá ser formalizada, desde que um deles tenha completado 18 (dezoito) anos de idade, comprovada a estabilidade familiar”. 

Contempla o art. 1.622 do CC/2002 a adoção por cônjuges ou companheiros: “Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher, ou se viverem em união estável”. È prevista, também no parágrafo único do citado artigo, reeditando regra inserida no § 4º da Lei nº. 8.069/90, adoção por adotantes divorciados ou judicialmente separados: “Os divorciados e os judicialmente separados poderão adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas, e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância da sociedade conjugal”. 

4. DIFERENÇA DE IDADE ENTRE ADOTANTE E ADOTADO 

O Código Civil determina que haja uma diferença de idade entre o adotante e o adotado. O art. 1.619 é categórico: “O adotante há e ser pelo menos 16 (dezesseis)". 

anos mais velho que o adotado”. De outro lado, o Estatuto da Criança e do adolescente impunha igual diferença de, pelo menos, 16 (dezesseis) anos entre o adotante e o adotado, o § 3º do art. 42 diz: “O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando.” Na verdade, deve existir entre o adotante e o adotado uma idade não muito distanciada, do contrário, nem sempre o adotante tem uma disposição e um preparo para a criação e educação de uma criança e nem se adaptaria a uma situação totalmente diferente, com abertura para novas idéias e atitudes. 

5. O CONSENTIMENTO DO ADOTADO 

Requisito indispensável para a adoção é o consentimento de ambos os pais biológicos, mesmo se um desses exerce sozinho o poder familiar, se o adotando for menor ou incapaz, nesse caso menor com 12 (doze) anos incompletos. De acordo com o artigo 1.621 do Código Civil: “A adoção depende de consentimento dos pais ou dos representantes legais, de quem se deseja adotar, e da concordância deste, se contar mais de doze anos.” O § 1º deste artigo trata da dispensa de consentimento, onde diz: “O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar”. Igual matéria trata o Estatuto da Criança e do adolescente em seu art. 45 que diz: “A adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando.” Os § § 1º e 2º dispõem sobre o consentimento. O § 1º diz: ”O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do pátrio poder.” O § 2º trata: “Em se tratando de adotando maior de doze anos de idade, será também necessária o seu consentimento.” Quanto ao menor desamparado, o Código Civil extingue o consentimento:“ Não há necessidade do consentimento do representante legal do menor, se provado que se trata de infante exposto, ou de menor cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar, sem nomeação de tutor; ou de órfão não reclamado por qualquer parente, por mais de 1(um) ano.” Parece óbvia a coerência da dispensa, eis que inviável o consentimento. Todavia, não se afasta a necessidade da citação, no processo instaurado para a adoção. Não conseguida a citação pessoal, far-se-á por edital, com a posterior nomeação de curador, caso não houve o seu comparecimento nos autos do processo. 

6. CONSENTIMENTO DO CÔNJUGE DO ADOTANTE 

Há tempo que reina alguma dissidência, na doutrina, se o adotante precisa do consentimento de seu cônjuge para adotar. Antonio Chaves manifesta: “Ora, se até para praticar atos de natureza simplesmente patrimonial um cônjuge necessita da anuência do outro, como se poderia prescindir desse assentimento para a prática de tão importante ato, que é a adoção, envolvendo toda a vida do casal, e trazendo definitivamente para o lar uma pessoa nova, a qual passa a se tratada como se fosse um filho legítimo ou de sangue, e que deve viver a vida quotidiana participando de todas as alegrias e de todos os sofrimentos, o que exige trabalhos e sacrifícios da parte dos pais adotivos”. 

No entanto, inexiste uma obrigação legal para tal ato. A legislação anterior e o atual Código Civil omitiram normas a respeito do assunto, apesar das inúmeras inconveniências que poderão advir para a vida conjugal da sua ausência. Cabe a dizer que a adoção é um ato íntimo, posto que cria o mais importante vínculo existente, que é o de filiação. Todavia é necessária a anuência do cônjuge para a adoção, do contrário, o ato pode ensejar motivo para a separação judicial. 

7. FORMA DE ADOÇÃO 

Há, no Código Civil em vigor, a regra estabelecida no art. 1.623: “a adoção obedecerá a processo judicial, observados os requisitos estabelecidos neste Código”. Frente ao atual direito brasileiro, sempre é necessário o caminho judicial. O artigo 227 da Carta Magna traz em seu § 5º, 1ª parte: “A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei,...”. 

8. ADOÇÃO POR TUTOR OU CURADOR 

Traz o art. 44 da Lei nº. 8.069/90: “Enquanto não der conta de sua administração e saldar o seu alcance, não pode o tutor ou curador adotar o pupilo ou o curatelado.” O Código Civil, em seu art. 1.620 conservou o mesmo princípio: ”Enquanto não der contas de sua administração e não saldar o débito, não poderá o tutor ou curador adotar o pupilo ou o curatelado”. È necessário salvaguardar o interesse dos menores, visa impedir que, com a adoção, o administrador de bens alheios se locupele indevidamente, convém acrescentar que o tutor o curador, antes de promoverem a formalização da adoção, devem exonerar-se do cargo que exercem. 

Adotando o tutor o curador, e tendo o adotado progenitores, não se prescinde do consentimento destes, isto porque nunca desaparece o interesse dos pais pelos filhos. 

9. O PODER FAMILIAR NA ADOÇÃO E OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS 

O Código Civil, em seu artigo 1.635, IV arrola a adoção como causa de extinção do poder familiar, é decorrência normal da adoção esta transferência, pois não se justifica o exercício conjunto entre pais biológicos e adotivos. 

Pontes de Miranda explica: “Também perde o pai ou a mãe o pátrio poder, quando alguma pessoa adota o filho, pois que, em tal espécie, o pátrio poder acaba ao pai ou a mãe natural e nasce para o pai ou a mãe adotiva”. 

Do exercício do poder familiar, o Código Civil traz em seu art. 1.634, II que: “Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores, tê-los em sua companhia e guarda”. 

Mesmo sendo filho adotivo, não perde este o direito a alimentos e ao socorro necessário para sua criação. Alimentos são prestações que objetivam atender às necessidades vitais e sociais básicas, como por exemplo, gêneros alimentícios, vestuário, habitação, saúde e educação, presentes ou futuras, independente de sexo ou idade, de quem não pode provê-las integralmente por si, seja em decorrência de doença ou de dedicação a atividades estudantis, ou de deficiência física ou mental, ou idade avançada, ou trabalho não auto-sustentável ou mesmo de miserabilidade em sentido estrito. 

O dever de sustento dos pais em relação aos filhos menores, sendo estes crianças ou adolescentes, enquanto não atingirem a maioridade civil ou por outra causa determinada pela legislação, decorre do poder familiar. O art. 229, primeira parte doa CRFB diz: “Os pais tem o dever de assistir, criar, educar os filhos menores,...”. No art. 22 da Lei nº. 8.069/90 o dever do sustento também é incumbido aos pais: “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”. A prestação de alimentos também é tratada nos artigos 1.694 e seguintes do Código Civil, onde visa assegurar crescimento e todos os atos da vida social do adotado. 

10. MUDANÇA DE NOME 

Antes a Lei nº. 8.069/90 e o atual Código Civil, não era admissível a alteração completa da filiação sangüínea, com repercussão, inclusive nos avós. O art. 47, § 1º da Lei nº. 8.069/90 traz: “A inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o nome de seus ascendentes”. O art. 1.627 do atual Código Civil permite até trocar o nome do adotado: “A decisão confere ao adotado o sobrenome do adotante, podendo determinar a modificação de seu prenome, se menor, a pedido do adotante ou do adotado”. 

11. ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA 

Antecedente de muita importância na adoção é o estágio de convivência. O art. 46 e seus parágrafos da lei nº. 8.069/90 traz como deverá ser o estágio: 

“Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso. 

§ 1º O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando não tiver mais de um ano de idade ou se, qualquer que seja a sua idade, já estiver na companhia do adotante durante tempo suficiente para se poder avaliar a conveniência da constituição do vínculo. 

§ 2º Em caso de adoção por estrangeiro residente ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de no mínimo quinze dias para crianças de até dois anos de idade, e de no mínimo trinta dias quando se tratar de adotando acima de dois anos de idade”. 

Esse estágio tem por finalidade adaptar a convivência do adotando ao novo lar. O estágio é um período em que se consolida a vontade de adotar e ser adotado, durante esse tempo, terão o juiz e seus auxiliares condições de avaliar a convivência da adoção. Esse estágio poderá ser dispensado, como normatiza o art. 46, § 1º da Lei nº. 8.069/90. Não há prazo na lei, caberá ao juiz fixá-lo. 

12. ADOÇÃO INTERNACIONAL 

O envio de crianças ao exterior somente é permitida com autorização judicial. No sentido de coibir abusos, a Constituição de 1988 foi expressa ao mencionar que a adoção será assistida pelo Poder Público, com menção expressa ás condições de efetivação por parte de estrangeiros, isto posto no art. 227, § 5º. 

A Lei nº. 8.069/90 também dispõe sobre a adoção pedido por estrangeiro, o art. 51 e seu parágrafos instruem: 

“Art. 51 Cuidando-se de pedido de adoção formulado por estrangeiro residente ou domiciliado fora do País, observar-se-á o disposto no art. 31". 

§ 1º O candidato deverá comprovar, mediante documento expedido pela autoridade competente do respectivo domicílio, estar devidamente habilitado à adoção, consoante as leis do seu país, bem como apresentar estudo psicossocial elaborado por agência especializada e credenciada no país de origem. 

§ 2º A autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá determinar a apresentação do texto pertinente à legislação estrangeira, acompanhado de prova da respectiva vigência. 

§ 3º Os documentos em língua estrangeira serão juntados aos autos, devidamente autenticados pela autoridade consular, observados os tratados e convenções internacionais, e acompanhados da respectiva tradução, por tradutor público juramentado. 

§ 4º Antes de consumada a adoção não será permitida a saída do adotando do território nacional”. 

O art. 52 do mesmo Diploma Legal dispõe sobre estudo prévio da adoço: 

“Art. 52. A adoção internacional poderá ser condicionada a estudo prévio e análise de uma comissão estadual judiciária de adoção, que fornecerá o respectivo laudo de habilitação para instruir o processo competente". 

Parágrafo único. Competirá à comissão manter registro centralizado de interessados estrangeiros em adoção”. 

O Código Civil, em seu art. 1.629 rege: “a adoção por estrangeiro obedecerá aos casos e condições que forem estabelecidas em lei”. 

A adoção é objeto de regras internacionais. O Brasil é signatário da Convenção sobre Cooperação Internacional e proteção de Crianças e adolescentes em Matéria de Adoção Internacional, concluída em Haia, em 29 de maio de 1993. Essa convenção foi ratificada pilo Brasil por meio do Decreto Legislativo nº. 3.087/99. 

13. IRREVOGABILIDADE DA ADOÇÃO 

O art. 48 da Lei nº. 8.069/90 determina que: “A adoção é irrevogável”. Igual matéria é tratada no Código Civil em seus artigos 1.621, §2º: “O consentimento previsto no caput é revogável até a publicação da sentença constitutiva da adoção”. E 1.628, 1ª parte que diz: “Os efeitos da adoção começam a partir do trânsito em julgado da sentença,...”. Mesmo que ocorra a morte dos adotantes, os pais naturais não retomarão o poder familiar, uma vez que a família do adotado deixa de ser a sua família de sangue e passa a ser a família do adotante. 

14. CADASTRO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES PARA ADOÇÃO 

Para regular essa matéria, foi inserida na Lei nº. 8.069/90, em seu art. 50 que diz: “Art. 50. A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção. 

§ 1º O deferimento da inscrição dar-se-á após prévia consulta aos órgãos técnicos do juizado, ouvido o Ministério Público. 

§ 2º Não será deferida a inscrição se o interessado não satisfazer os requisitos legais, ou verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 29”. 

Ou seja, não adotará aquele que não puder oferecer um ambiente familiar digno para o adotado. É importante que o sistema de triagem seja suficientemente criterioso, sério e veraz, pois a colocação de menor em família substituta é ato da mais alta responsabilidade. 

15. DO PROCESSO PARA ADOÇÃO 

O processo de adoção, regido pelo Capítulo III, Seção II, da lei n° 8.069/90, que trata “Dos Procedimentos”, e sua seção IV que fala sobre a “Colocação em Família Substituta”, é um procedimento especial por parte do Poder Público e requer uma apreciação demorada para ser formalizada. A competência para processar e julgar os casos de adoção é do Juiz da Infância e da Juventude ou juiz que exerça essa função, conforme revê a Lei nº. 8.069/90: 

Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para: 

III. conhecer de pedidos de adoção e seus incidentes. 

Para tratar do foro para tal ato, o art. 147, I e II da mesma lei diz: 

Art. 147. A competência será determinada: 

I. pelo domicílio dos pais ou responsável, 

II. pelo lugar onde se encontre a criança ou adolescente, á falta dos pais ou responsável. 

A adoção visa, essencialmente, o bem-estar e o interesse do menor, entre o pedido impetrado pelos adotantes e a homologação da sentença deve ocorrer o convencimento do juiz. Deve ser verificada a capacidade intelectual, afetiva e emocional dos adotantes para se avaliar as possibilidades reais do menor encontrar no novo lar o equilíbrio e a normalidade familiar que ele tanto carece. Todo esse estudo visa minimizar a margem de erro na colocação de um menor numa família substituta equivocada. Procura-se inteirar o adotante das suas obrigações e responsabilidades, assim como informá-lo sobre os efeitos que esse ato gerará. 

16. EFEITOS DA ADOÇÃO 

Inúmeros são os efeitos da adoção. Primeiro desaparecem todas as ligações com a família natural, todos os limes com a família original são esquecidos e apagados. O parentesco agora são os da família do adotante. Diz o art. 1.626 do Código Civil: “A adoção atribui a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes consangüíneos, salvo quanto aos impedimentos para o casamento”. 

O adotado é equiparado nos direitos e obrigações ao filho sangüíneo, nesta ordem, assegura-se a ele o direito a alimentos e assume os deveres de assistência aos pais adotivos. O novo vínculo de filiação é definitivo, isto é, ao pode o adotado desligar-se do vínculo da adoção. Eis o ensinamento de Jason Albergaria:” Consistem os efeitos da adoção na constituição da filiação adotiva, e a aquisição da filiação adotiva confere ao adotado os direitos e obrigações do filho sangüíneo, que são de natureza pessoal e patrimonial”. 

Quanto ao direito sucessório, dada a completa igualdade, os direitos hereditários envolvem também a sucessão dos avós e dos colaterais, tudo identicamente como acontece na filiação biológica. Diante disso, desaparece qualquer parentesco com os pais consangüíneos. Por outras palavras, na há sucessão por morte, eis que afastados os laços de parentesco. Nem o direito a alimento subsiste. 

POR JOSÉ CARLOS VICENTE

FONTE: Direito NET 
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