quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Depois do Direito facilitado, eis o Direito apatifado

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Se o Direito já vai mal...
Pois quando a coisa não vai bem, sempre pode piorar. Com mais de 1,2 mil faculdades de Direito, com milhares de livros publicados, não conseguimos resolver, ainda, as mínimas questões acerca dos conteúdos dos conceitos jurídicos. A indústria que mais cresce é a do pan-principiologismo. E a dos livros que querem simplificar o Direito. Pois, pode piorar. E a Globo pode ajudar nessa piora. Aliás, já está ajudando. E muito. Vejam.

Ideologia como falsa consciência?
Escrever sobre o modo como se forma o imaginário de terrae brasilis, a partir do meios de comunicação parece coisa velha. Algo do tipo “Althusser e seus aparelhos ideológicos” etc. Pensei em colocar minha calça boca de sino para fazer a Coluna.  Um aluno, marxista do tipo “A Ideologia Alemã", só que sem o contexto de Marx no século XIX e sem “aquela burguesia de então”, censurou-me, dizendo que esta Coluna seria do tipo “Ah, as novelas são os manuais da produção televisiva”. Critica-se os manuais, mas se assiste à novela das 9 (embora se diga que não a assista)!".

Fiquei pensando: o preclaro aluno-marxista-retrô acha que ideologia é falsa consciência. E que isso não tem nada de concreto... Basta negar a realidade. E dizer que é falsa. Está no mundo da pseuconcreticidade denunciado por Karel Kosik em sua Dialética do Concreto (que não é um livro de física). Pois é. De fato. São “só” 80 milhões que assistem à novela das nove na Globo. Alias, ainda estão frescos na memória alguns pitorescos episódios ocorridos durante o processo eleitoral de 2012 que demonstram a influência que os tais folhetins desempenham em nosso cotidiano. 1) São Paulo, maior e mais disputado colégio eleitoral do país. Numa disputa extremamente polarizada entre PT e PSDB, a cidade seria palco de um importante comício do atual prefeito (então candidato) Fernando Haddad com a presidenta da República. O ato, no entanto, foi adiado e o motivo: a data coincidia com a da exibição... do ultimo capítulo de Avenida Brasil. 2) Para não “perder a data”, a presidente encaminhou-se a Salvador, onde participaria do comício de um outro correligionário. Lá, contudo, traçou-se um estratégia para não competir com a saga da filósofa contemporânea Carminha. Armaram telões para exibir a novela e garantir a presença das massas. A Justiça Eleitoral vedou a iniciativa por entender que caracterizava “showmício”.
Bom, não cabe aqui debater se fez certo ou errado, mas ante a esses dois episódios, como ignorar a força desse elemento junto à formação do imaginário social? Como chamar de falso? Falso para quem, cara pálida? Deveríamos ler Poulantzas, no mínimo.
Lembro que, há mais de 10 anos, denunciei a novela A Próxima Vítima, em que a atriz que traiu o marido teve seu rosto cortado de fora a fora. Em reunião de família, perseguido pela polícia, o personagem de José Wilker (o vilão) foi reconfortado pela filha: “— Pai, ela teve o que mereceu”.  Em outra novela, a personagem de Cristiane Torloni dizia: “Estou entediada. Hoje preciso sair para beber, trair e receber uns tapas na cara”. Maravilha, não? Tudo para 60 milhões de telespectadores. Meu aluno marxista diria: tudo falso. Tudo falso. Pura ideologia...
Sergio Porto, o nosso Stanislaw Ponte Preta, tinha uma frase genial: a prosperidade de alguns homens públicos do Brasil é uma prova evidente de que eles vêm lutando pelo progresso de nosso subdesenvolvimento! Digo eu. Bem assim com a cultura: a prosperidade dos homens de comunicação é uma prova de sua luta pela burrice do povo!
OK. A coluna de hoje será piegas e atrasada. Mas ela é assim porque o velho resiste em morrer. E o novo não nasce. Alguém tem dúvidas do papel exercido pelos meios de comunicação? Alguém duvida do poder das novelas? Já não se sabe se a ficção é a realidade ou se a realidade é a ficção. Há 40 anos Warat dizia que confundíamos as ficções da realidade com a realidade das ficções. Tinha razão. Olhando programas como Na Moral, de Pedro Bial, Faustão e as novelas, fica uma zona gris entre ficções e não ficções. Sem considerar o resto do lixo televisivo, como programas de humor de enésima categoria e talk shows de gente que acha que, para se comunicar, tem que dizer palavrão e forçar o humor. Isso chegou, inclusive, ao futebol, quando qualquer repórter quer falar por metáforas... e explica a própria metáfora. E acha que, sem humor e sem extrema simplificação, ninguém entenderá. Meu aluno, e tantos outros, dirá que isso tudo é falso. É ideológico. Que não se pode perder tempo com isso. Mas eu resisto. E insisto.
A saga do glorioso Gentil, personagem da novela Amor à Vida
Li em vários jornais que a associação dos enfermeiros reclamou do tratamento dado à profissão na novela. Também os médicos reclamaram do mau trato que o autor da novela dá aos esculápios pátrios. Os laboratórios reclamaram por causa da fácil falsificação de um exame. Os gays reclamam. A associação das periguetes mandou carta, dizendo que periguete não fica mendigando espeto corrido e rodizio de sobremesas, como é o caso da gloriosa Valdyrene, agora mãe de Mary Laydy (com vários ípsilons). “Periguete, sim, morta de fome, não!”, é o lema da reclamação. Enfim, as gordinhas virgens reclamam da Globo, contra o comportamento da personagem com nome grego que não lembro. . E as feministas reclamam do comentário sobre a gordinha virgem: “Não há princesa encantada gorda”... Enfim, a novela tem de tudo para desagradar todas as corporações...

 E os politicamente corretos reclamam do comentário sobre a gordinha virgem: “Não há princesa encantada gorda”... Enfim, a novela tem de tudo para desagradar todas as corporações...
Eu disse “todas as corporações”? Bom, parece que a gloriosa classe dos causídicos não se incomoda com o modo como Walcyr, o Carrasco do imaginário social, lida com o Direito na malsinada novelaAmor à Vida.
O Direito foi desmoralizado de vez nessa novela. Aliás, no ritmo em que está, os advogados serão substituídos, na novela, por estagiários (o que aproximaria, paradoxalmente, a novela da vida real, pois não?).
No folhetim carrascal, o advogado não tem nenhuma expertise. É pau para toda a obra. Vejamos: o mesmo advogado que cuida do exame de DNA trata do divórcio do dono do hospital (o garanhão Cesar, que, desconfio, deve ser, inclusive, pai do próprio autor da novela...) e ainda defende o glorioso Gentil, processado por bigamia e falsidade ideológica. Pudera: com essa “expertise”, Gentil só poderia se ferrar. A mesma advogada que trata de indenizações, cuida do divórcio da mulher de Cesar, e que cuidou também do divórcio do filho de Cesar e que atuou como assistente de acusação contra o Gentil. Esses advogados sequer têm escritórios. Aliás, parece que São Paulo só tem esses dois advogados e mais um, que é dublê de garçom e que entrou com pedido de indenização da ex-chacrete contra o nosso glorioso Gentil.
É uma lambança geral. Uma algaravia. Uma desmoralização da profissão. E do Direito. A sala de audiência tem plateia. Genial. E as testemunhas ficam ali, na plateia, prontas para intervir. E intervém da própria plateia. Ninguém anota nada. Tudo é oral. Não há compromisso de testemunhas. Na audiência de conciliação do divórcio do garanhão Cesar, houve um bate boca, sendo que audiência foi dada como encerrada pela autora da ação. Quanto ao juiz... Bem, pobre magistrado. Já o coitado do Gentil foi processado em bis in idem e condenado em primeira e única instância a 5 anos de reclusão, em regime fechado. Mesmo com curso superior e sem trânsito em julgado, iniciou o cumprimento da pena, com pijama e tudo. No meio da malta carcerária. Tudo bem “real”, pois não?
Quer dizer: não há defesa, não há contraditório, não há recurso, e não há Lei de Execução Penal. E sequer há progressão de regime. Carrasco apatifou o Direito de defesa. Apatifou com o regime prisional. Apatifou com a profissão de advogado. Apatifou com a profissão de juiz. Liquidou com a de Promotor. Só se salvou o estagiário, que não era personagem... Ou seja: em pleno mensalão, o autor perdeu uma grande chance de tratar de um tema sério. Mas, como sempre, prefere-se a impostura, a transformação das questões do direito em “coisas de novelas mexicanas” ou de júri da common law, inclusive com o grito do advogado: “Protesto”! Que técnico isso, não?
Mas então uma novela não tem qualquer compromisso com a realidade? Com a formação cultural de um povo? Então a novela é absolutamente inconstitucional. E provo isso. A Constituição estabelece no artigo 221 que os meios de comunicação devem dar preferência a produções educativas, artísticas, culturais e informativas, bem como respeitar aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Pois bem. Onde, no caso, a preservação dos “éticos e sociais da pessoa e da família”? Únicos valores preservados são os que o garanhão Cesar escondeu nas Ilhas Cayman. Uma sugestão: vamos declarar a novela inconstitucional sem modulação de efeitos... Boa, não? Efeito ex tunc(anulando-a ab ovo!).
Agora, minha licença poética: Em um dos capítulos, nesses que trataram de audiência, prisões e divórcios, vi, em imagem parada, aumentada em dez vezes, uma pequena pilha de livros, em um canto da mesa de audiências, em que se podiam ver livros como Direito Penal Simplificado, ABC das Audiências, Processo Penal Resumidíssimo, Processo Civil em Quadrinhos e um livro em homenagem ao grande jurista Conselheiro Acácio...
A crise do Direito e o imaginário
Pode parecer implicância minha, mas há uma relação direta na formação do imaginário social, naquilo que a população entende por “instituições jurídicas” (nem quero falar do problema dos médicos, dos enfermeiros, das periguetes, da comunidade gay, todos com ampla representação no folhetim de Walcyr, o Carrasco do imaginário; todos, enfim, com motivos de sobra para reclamarem).

E o programa Na Moral, em que, quando se discutiu a “questão da moral”, fez-se de forma irresponsável, separando a moral do Direito, como se estivéssemos no século XIX. Desserviço na veia! Examinando o art. 221, cum grano salis, o Programa fere a Constituição. Logo...
Não tenho a esperança que a TV vá melhorar o nível cultural do povo. Mas, com certeza, não deve piorá-lo. E nem avacalhar com as instituições. O que diria um autor da novela se, em uma novela ou em livro, o autor (de novelas) fosse representado como um idiota ou fronteiriço (néscio total), escrevendo os originais com ç em vez de s, esquecendo os plurais etc., tendo que um corretor fazer uma arrumação mínima diária do texto para que um segundo na cadeia alimentar (um co-autor) possa entender o que o “gênio” quis dizer?
No fundo, é o trash tomando conta da sociedade. A produção está no nível de filme em que aparece o zíper do monstro. E, o pior: é feito de forma séria. A cultura desce, cotidianamente, a ladeira do desperdício de sentidos e significados. E passa a se retroalimentar. Nada pode ser mais profundo dos que os calcanhares de uma formiga. Por isso, William Bonner disse a célebre frase: o telespectador tem o QI de Homer Simpson. Notícias devem ser informações em drops. Em pílulas. E nisso o Direito foi sendo carcomido em suas entranhas pela praga das vulgatas e das simplificações. Por que um livro que é resumo de resumo vende 600 mil exemplares em Pindorama? Por que há dezenas de livros com conceitos do tipo “agressão atual é a que está acontecendo”? E que coisa alheia é aquela que não pertence à pessoa? Por que alguém constrói um princípio chamado “ausência eventual de plenário”?
Numa palavra: a reprodução do imaginário pequeno-gnosiológico
Acabei de ler A Reprodução, de Bernardo de Carvalho. Genial. E um retrato do imaginário pequeno-gnosiológico que assola o mundo. O personagem que estuda chinês é o retrato do “novo homem”. Sabe tudo em drops. E não sabe nada. Bernardo diz: a literatura passou a ser pautada pelo gosto da média. Acrescento: abaixo da média. A literatura tem que incomodar. Perturbar o leitor. Angustiá-lo. E digo eu: assim também devem ser os livros jurídicos. Bernardo diz que um dos defeitos da literatura e da mídia é falar como se estivessem tratando com crianças (acrescento: algo como achar que o leitor ou telespectador tem o QI do Homer Simpson!). Bernardo, acertadamente, chama a isso de inconsequência política. Ou seja, isso é trazer a burrice do privado para o âmbito do público: “A infantilização do público tem a ver com a internet e também com a literatura que entrega o que você quer”. Digo eu: no Direito também infantilizamos o público. Estamos em face de um novo homem: ohomo juridicus standard, que decora códigos e sabe tudo por pequenos drops.  E a novela Amor à Vida, ao tratar das “coisas do Direito”, é a perfeita amostra Rumo à Estação “A Burrice Como Ciência”. No fundo, não sei a comunidade jurídica não merece uma novela como essa... Estou tentado a acreditar nisso...

Por isso, concordo com ele, quando diz que o texto deve ser uma visão trágica das camadas de possibilidades. E digo eu: Entregar-se à mediocridade é achar que tudo é relativo, até porque, segundo um relativista, um medíocre também tem razão...!
Logo, se todos viram medíocres, ninguém mais será. Bingo! Se tudo é, nada é! É a cultura se abeberando da alegoria do queijo suíço: o melhor queijo é o suíço; quando mais furos, melhor o queijo; menos queijo, melhor queijo. D’onde se conclui, brilhantemente, que o queijo ideal é o “não queijo”.
Tudo é... e nada é. Alvíssaras! Vou estocar furos de queijos! A essência do queijo ideal é o furo. O nada!
PS 1: Para quem ainda não entendeu, a novela, enquanto construtora do imaginário social, cumpre um papel importante. Tem um múnus público. Não pode e nem deve reforçar estereótipos, fomentar preconceitos com base na aparência ou se desvirtuar de sua função educativa, artística, cultural e informativa. E não deve apatifar com as profissões.
PS 2: para não dizer que sou um exagerado e que sou implicante: no livro Direito Constitucional Facilitado, no comentário ao parágrafo 1º do artigo 13, da CF (são símbolos da República Federativa do Brasil a bandeira, o hino, as armas e o selo nacionais), os autores alertam para o “relevante” fato de “as armas” tratadas no aludido dispositivo referem-se... ao brasão e não às armas de fogo. Ah, bom! Bingo! Genial! Alvíssaras! Por isso é que esse livro vende tanto! Por isso é que o Verdade e Consenso não vai! Que chance eu tenho?  
Vou estocar palavras. Aliás, vou estocar combos de palavras!  Porque, no futuro, faltarão... para descrever o caos! É inexorável!
Fonte:Conjur
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sábado, 10 de agosto de 2013




Propostas de mudança na aposentadoria compulsória






Há uma regra, criada por lei em 1946 e incorporada à Constituição Federal de 1988, que obriga o servidor público federal a aposentar-se aos 70 anos. A “expulsória”, como é conhecida, aplica-se aos magistrados – juízes, desembargadores e ministros dos tribunais superiores – e aos membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União. Há uma década, a mudança dessa norma está em discussão no Congresso Nacional. São duas Propostas de Emenda Constitucional (PECs), cada qual com objetivos distintos. A PEC 457/2005 altera de 70 para 75 anos a idade para a aposentadoria compulsória. Já a PEC 21/2007 permite ao magistrado que esteja no exercício da Presidência de tribunal continuar em atividade até o fim do mandato, independentemente da idade.

O que nos propomos aqui é fazer uma rápida reflexão sobre o assunto a partir de uma questão muito simples: a mudança é boa ou ruim para a sociedade?
Para facilitar o raciocínio, fiquemos com a proposta para alteração de idade. Originária da PEC 42/2003, de autoria do senador Pedro Simon, a PEC 457 – apelidada de “PEC da Bengala” – foi enviada à Câmara dos Deputados em agosto de 2005, depois de aprovada no Senado. Após várias audiências públicas na Câmara, passou pelo crivo da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e de uma Comissão Especial criada com a finalidade específica de analisá-la. Em dezembro de 2006, a proposta foi ao Plenário pela primeira vez.
A partir daí, esse ritual vem se repetindo, como uma peça teatral de longa temporada: a PEC é colocada na ordem do dia e a votação é cancelada, pelos mais variados motivos: falta de quorum, encerramento da sessão, apreciação de outra matéria e até falecimento de parlamentares. Os requerimentos se sucedem, sem sucesso. Somente em 2011, foram protocolados 18 – o que dá mais de um por mês. Em 2012, outros 10 pedidos foram oficializados. Neste ano, até a presente data, há dois requerimentos: o primeiro, de fevereiro, do deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), e o segundo, de 13 de março, do deputado Bernardo Santana de Vasconcellos (PR-MG).
O que parece evidente é que o lobby ostensivo contra a votação da PEC 457 continua vitorioso. Desde 2003, quando foi apresentada a proposta original no Senado, dez anos se foram. E desde 2006, quando a proposta foi aprovada na CCJC e na Comissão Especial, lá se vão sete anos.
Onde estaria a polêmica?
Simples de entender são os argumentos dos que defendem a alteração de idade. Primeiro, pela questão da longevidade: quando o limite de 70 anos foi fixado, há meio século, a expectativa média de vida do brasileiro não chegava aos 50 anos – bem diferente da atual, que é superior a 72 anos. Nessa linha, seria exaustivo repetir aqui o que todos dizem sobre os avanços científicos que ampliam cada vez mais a longevidade do ser humano. Ademais, o limite para a “expulsória”, mesmo sendo alterado, não obriga ninguém a continuar trabalhando. Apenas dá chance àqueles que, tendo completado 70 anos e estejam em pleno vigor físico e intelectual, possam continuar na ativa. Por outro lado, qualquer profissional, no setor público ou no setor privado, uma vez incapacitado para o trabalho, é alcançado por mecanismos legais que impõem sua aposentadoria. Não importa a idade.
Outro argumento consistente é o da economia. Por que razão o erário deve ser onerado pelo simples fato de que o indivíduo completou 70 anos? Ao aposentá-lo e nomear outro para ocupar sua vaga, o Estado paga duas vezes. Estimativas amplamente divulgadas – e nunca contestadas com números – indicam que a alteração do limite de idade resultará em economia de R$ 20 bilhões. É pouco? Basta calcular a quantidade de escolas ou hospitais poderiam ser construídos com esse dinheiro.
Contra a PEC 457, manifestam-se as principais organizações de classe de magistrados e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Mera coincidência? Claro que não.
Nessa trincheira, argumenta-se que há necessidade de renovação no quadro de magistrados, para que os tribunais não se transformem em cortes muito conservadoras ou para que não se impeçam atualizações da jurisprudência nacional. Aduz-se que juiz bom é juiz jovem, que tem mais energia para enfrentar a montoeira de processos. O magistrado jovem, por ter mais disposição física, teria mais capacidade de produção do que os mais antigos. Outro argumento refere-se à “alternância do poder”: como os mandatos diretivos no Judiciário são renovados a cada dois anos e a escolha é feita por ordem de antiguidade, manter os mais antigos em atividade emperraria a ascensão dos mais novos. Para usar o jargão popular: a fila tem que andar.
Em resumo, segundo essas vozes, a manutenção da aposentadoria obrigatória aos 70 anos brindaria a sociedade brasileira com o que há de melhor no mundo da Justiça: maior agilidade no julgamento dos processos, ampla renovação do pensamento jurídico e até a saudável e democrática alternância de poder.

Será verdade?
A tão combatida lentidão no Judiciário brasileiro não teria como causa outros fatores, como por exemplo, o excesso de recursos? A renovação do pensamento jurídico tem mesmo relação direta e exclusiva com a idade dos juízes? Ser jovem significa necessariamente ser renovador, ter idéias arejadas e consistentes? Ao contrário, ter mais idade – 70 anos, por exemplo – significa mesmo “parar no tempo”, fechar-se à renovação?
Na verdade, quem é produtivo, o é por toda a vida – salvo caso fortuito ou por problemas de saúde. O preguiçoso vive na improdutividade e morre improdutivo. Da mesma forma, quem é conservador continua sem evoluir – e não há caso fortuito que resolva –, ao passo que quem é proativo nas ideias, não envelhece no pensamento.
Enfim, não faltam argumentos a favor da mudança da idade para a “expulsória”, mas não temos a pretensão de estender o assunto, mesmo porque essa é a seara dos especialistas. Queremos aqui apenas chamar a atenção para a visão simplista dos que vêem a questão pelo ângulo obtuso do corporativismo. Nossas representações classistas têm nobres missões a cumprir e grandes causas a defender – e, definitivamente, insistir na manutenção da aposentadoria obrigatória aos 70 não está entre elas.
Inúmeros magistrados iniciam e concluem brilhantes carreiras na jurisdição de primeiro e segundo graus, e muitos deles coroam suas trajetórias em tribunais superiores e no Supremo Tribunal Federal. São servidores públicos que prestam ou prestaram relevantes serviços à nação, mas são impedidos de continuar a fazê-lo no momento em que cometem o “crime” de completar 70 anos.
Alguns exemplos são bem ilustrativos.
No Supremo Tribunal Federal, aposentaram-se por idade, recentemente, os ministros Ayres Britto e Cezar Peluso – o primeiro após exercer a Presidência do STF e o segundo antes mesmo de completar o mandato. Também foram obrigados a se retirar da magistratura, pelo mesmo “crime” dos 70, os ministros Carlos Velloso e Néri da Silveira. Na Justiça do Trabalho – também para ficar apenas com os mais recentes – aposentaram-se os ministros Milton de Moura França, Rider Nogueira de Brito, Ronaldo José Lopes Leal, Almir Pazzianotto, Horácio Raymundo de Senna Pires, José Simpliciano e José Luciano de Castilho Pereira. Os quatro primeiros exerceram a Presidência do TST.
Todos esses senhores foram obrigados a deixar o serviço público no auge de sua experiência e no esplendor de seus conhecimentos. A partir daí, aconteceu o óbvio: eles continuaram em plena atividade. A maioria prosseguiu com suas trajetórias profissionais do “outro lado do balcão”, em escritórios de advocacia. Com a experiência e os conhecimentos acumulados – em grande parte, graças ao investimento público –, esses senhores vão bem, obrigado, colhendo os bons frutos de sua trajetória acadêmica e profissional.

Nada mais justo. Nada mais legítimo.
No Poder Legislativo, se a mesma regra de prevalecesse, parlamentares já deveriam estar aposentados. A começar pelo senador José Sarney, que completa 83 anos no próximo dia 24 de abril. Eleito em 1990 pelo PMDB do Amapá, ele se reelegeu em 1998 e em 2006. Ou seja: pela “expulsória”, Sarney teria sido obrigado a aposentar-se em 2000 – e não completaria sequer o segundo mandato, muito menos seria eleito e reeleito para a Presidência do Senado em 2003, 2009 e 2011.
Além de Sarney, outros 14 senadores da atual Legislatura também estariam aposentados ou em vias de se aposentar. São eles: Álvaro Dias (PSDB-PR), Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), Eduardo Suplicy (PT-SP), Epitácio Cafeteira (PTB-MA), Francisco Dornelles (PP-RJ), Garibaldi Alves (PMDB-RN), Jarbas de Andrade Vasconcelos (PMDB-PE), João Alberto de Souza (PMDB-MA), João Durval Carneiro (PDT-BA), Luiz Henrique (PMDB-SC), Maria do Carmo do Nascimento Alves (DEM-SE), Roberto Requião (PMDB-PR), Ruben Figueró (PSDB-MS) e, fechando a lista: Pedro Simon (PMDB-RS), autor da proposta original que altera a idade para aposentadoria compulsória.
No Executivo, onde também não há limite de idade, vários ministros seriam atingidos pela “expulsória”. A conclusão é que só o Judiciário, o Ministério Público e o Tribunal de Contas sofrem com essa limitação.
O fato inexorável é que, qualquer que seja o limite, a idade chegará. Inclusive para os que, hoje, tem pressa em chegar à magistratura. Não há, portanto, como deixar de indagar: a aposentadoria obrigatória aos 70 anos configura crime, castigo ou mera estupidez?
Fonte: CONJUR
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