quinta-feira, 14 de outubro de 2010

ABORTO: ASPECTOS MORAIS, LEGAIS E SOCIAIS

Tiago Carneiro Batista Silva


Muito se tem discutido atualmente sobre a dissensão gerada com a indefinição do começo da vida, principalmente quando associada à prática do aborto legal. Esta prática implica numa adversidade de problemas sócio-políticos de natureza estrutural, e que acaba por abalar toda moral intrínseca aos indivíduos que compõe o meio social. Desta forma, abordamos neste trabalho os principais pontos de vista que rodeiam tal dissensão, abrangendo desde as definições aos aspectos legais do aborto, de forma que, gradativamente, revelamos o nosso posicionamento acerca dos pontos aqui apresentados

1. INTRODUÇÃO

Este artigo tem por finalidade, abordar de forma clara e concisa, pontos fundamentais acerca do aborto, suas controvérsias, incertezas e conseqüências, principalmente quando o associamos com o início da vida humana, abrangendo assim, aspectos médicos, éticos, morais, políticos, culturais e tecnológicos da atualidade. Em tempo, ressalto que tal artigo, não tem por objetivo questionar a dogmática religiosa.

Diante de tamanha polêmica que se estabeleceu e dessa farta circulação de informações, muitas vezes equivocadas, torna-se difícil conceder razão, pois considerável parte dos argumentos levantados, tanto a favor quanto contra o aborto, constituem prismas que merecem especial atenção, pelo simples fato de se acharem inseridos no campo dos direitos fundamentais.

O debate se expande em meio às diversas manifestações de instituições religiosas, jurídicas e de grupos sociais que vêem o problema por diferentes pontos de vista, porém, estas variedades ideológicas, também são essenciais para que haja uma deliberação lícita e correta, a fim de que os atos futuros não sejam prejudicados diante das decisões do presente, considerando que o que está em pauta, não contempla bens materiais econômicos ou alienáveis. Estamos ponderando sobre o nosso semelhante, sobre a nossa própria existência como seres vivos e a partir de quando há esta existência, de modo que possamos garantir de forma sucinta e objetiva, todos os seus direitos.

Destarte, antes de começarmos a discorrer sobre o aborto propriamente dito e para que nossa argumentação possa ser absorvida mais claramente, faz-se necessária uma pequena análise acerca da indagação: A partir de quando podemos considerar vivo um nascituro?

2. CONSIDERAÇÕES BIOLÓGICAS

Baseando-se na genética, o processo de formação do ser humano passa por várias fases na gestação. O primeiro momento (fertilização) é quando o espermatozóide e o óvulo se fundem resultando no zigoto, o qual é um "novo projeto-programa individualizado". Esses gametas são diferentes entre si e contribuem para a inicialização do recém-concebido.

Este novo sistema é a junção dos gametas que forma uma "nova unidade" e que é o novo genoma. Este genoma proporciona ao zigoto potencialidade morfogenéticas (subsídios para o desenvolvimento do zigoto) e interações a nível celular e extracelular. Portanto, afirmar que este novo sistema em formação é parte do corpo da mãe, não é valido, pois biologicamente o zigoto não é um ser inerte dependente do corpo da mãe a ponto de ser comparado a um órgão, mas sim, um início de vida, autônomo e individualizado. Não é autônomo absolutamente, assim como o ser humano já formado, o adulto, também não é independente, haja vista que tanto o zigoto quanto o ser adulto são dependentes de fatores externos, o ambiente, por exemplo. Essa dependência é extrínseca do ser humano. A alimentação, a oxigenação e a expulsão dos produtos tóxicos ou não do metabolismo, no ambiente do útero, são exemplos de dependência extrínseca do embrião.

O processo de desenvolvimento do embrião se divide em três etapas: a primeira de coordenaçãoque é o responsável pela interação molecular e celular contida no genoma. A segunda etapa é a continuidade, o prosseguimento do ciclo da vida que começa na fertilização e se conclui se não houver interrupções. E a terceira é a gradação, momento o qual o embrião ainda no estado de célula possui sua própria identidade e individualidade.(Elio Sgreccia, 1996, 344 a 345).

Na geração espontânea (autogênese) do embrião as etapas anteriores e posteriores não são eliminadas de modo que ambas as fases se completam e se juntam compondo o processo vital. Para se provar biologicamente esse fato, existe milhões de células musculares que fazem bater um coração primitivo, e também varias células em formação as quais serão utilizadas para o desenvolvimento do sistema nervoso. (Elio Sgreccia, 1996, 346).

O sistema jurídico encontra dificuldade no que diz respeito a definir em que estágio da formação do ser humano pode-se dizer que existe uma pessoa. Entretanto, é perda de tempo não entender que o embrião é o individuo em processo de evolução que dera definido como pessoa. A própria ciência explica biologicamente tal fato de forma clara e comprovada e, portanto não tem justificativas para não aceitar o procedimento natural da vida, o qual foi abordado no decorrer deste texto.

3. A BIOGÊNESE SOB A APRECIAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Hodiernamente, percebe-se um significativo aumento na organização de eventos realizados não só Brasil, mas em toda a América do sul, antes vistos apenas em países considerados desenvolvidos, que visão o debate de assuntos ligados a Medicina, a Bioética e suas eventuais conseqüências para humanidade e para o Direito. Neste sentido, podemos destacar a existência de diversos projetos que aguardam a apreciação do poder Legislativo que tratam ou fazem referência ao aborto, tais projetos têm como intento basilar, a ampliação, liberação ou total proibição do direito à prática abortiva no Brasil.

Este aumento também pode ser visto nos meios de comunicação em geral, em matéria publicada na Revista Veja (2007, 54 a 57), divulgou-se que o assunto foi abordado pelo Supremo Tribunal Federal em audiência pública, fato inédito, em seus quase dois séculos de existência. O evento contou com a participação de diversos especialistas no assunto, todos reunidos num auditório lotado, para tentar responder a uma pergunta inquietante, afinal quando começa a vida? Tal pendência veio à tona de forma imperiosa, graças a uma ação requerida em 2005 pelo então procurador-geral da Republica Cláudio Fonteles, na qual questionou a inconstitucionalidade da Lei de Biossegurança, válida desde 2005, esta tem a finalidade de tutelar à manipulação de células-tronco embrionárias de forma restrita, podendo-se aproveitar para tal fim apenas as consideradas inviáveis e as que se encontram congeladas há no mínimo três anos. Fonteles fundamentou sua ação com base no caput do art. 5º da Constituição brasileira, que declara a inviolabilidade do direito à vida. Por isso, passou a ser imprescindível para o STF posicionar-se, e responder legalmente a indagação suso citada. Se o STF julgar que a vida principia a partir do momento da concepção, então a ação é procedente e a Lei de Biossegurança é inconstitucional, caso contrário, não se observa nenhum impedimento legal a sua vigência.

4. PRINCIPAIS TEORIAS ACERCA DA BIOGÊNESE HUMANA

4.1 Concepção

Entende-se por esta teoria, que geneticamente o ciclo vital humano, começa com a fecundação, para tal, argumenta que a vida, nada mais é do que um processo de contínua evolução, e que todos os indivíduos são resultados de um mesmo processo, a fusão do óvulo com o espermatozóide, de forma alguma um ser humano será gerado sem passar por esta união, por isso, defende-se este momento como o do começo da vida.

Porém há de se ressaltar a existência de uma variedade de opositores a esta teoria, que defendem um outro momento para o início da vida.

4.2 Nidação

Etapa que ocorre entre o quinto e o sexto dia após a fecundação. É o momento em que o óvulo recém fecundado liga-se à parede do útero, passando a ser alimentado. Seus principais defensores alegam que é neste momento que o embrião passa a ter possibilidades reais de desenvolvimento.

4.3 Primeiras terminações nervosas

Fase que também é bastante defendida principalmente pelos neurocientistas. Dá-se durante a segunda semana de gestação, e se caracteriza pela formação das primeiras terminações nervosas. Esta corrente alega que até meados do século passado à medicina determinava que a morte ocorria com a parada respiratória ou do coração. Todavia, devido ao avanço tecnológico e a crescente necessidade de aproveitar órgãos para fins de transplante, redefiniu-se tal conceito com o evento da morte encefálica, passível de ocorrência mesmo quando o coração ainda trabalha. Argumentam também que se a morte só ocorre com a falência cerebral, a vida se inicia com os primeiros sinais do surgimento do que constituirá o sistema nervoso central.

4.4 Nascimento

Teoria muito amparada legalmente, não só pelos países que permitem a prática indiscriminada do aborto, como também nos que permitem de forma restritiva, como é o caso do Brasil. Seus defensores alegam que a vida começa a partir do nascimento com vida. A Lei Nº. 10.406 de 10 de Janeiro de 2002, Código Civil Brasileiro, diz no seu art. 2º: "A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro". Para fins legais, todo e qualquer ser humano só adquire direitos constitucionais após o nascimento com vida. Por isso, seus seguidores entendem que a vida começa quando lhes são outorgados estes direitos. Importante mencionar, que devido aos avanços tecnológicos, os bebês nascem cada dia mais cedo e com reais possibilidades de sobrevivência. Já existem casos de registros de nascimento e sobrevivência de bebês com cerca de 24 semanas de gestação. O ponto falho desta teoria está justamente no fato de que em muitos países se permite matar um feto de oito meses, como por exemplo, a Inglaterra, Itália e Japão, sem caracterizar crime, enquanto que o assassinato de um bebê prematuro de seis ou sete meses, seria encarado como uma atrocidade, algo desumano, estranho não?

5. POSICIONAMENTO

No ano de 1984, o governo Britânico expediu o denominado Informe Warnock, neste, dentre outras coisas, se reconhece à humanidade do embrião desde a fecundação. Menciona ainda que, não há qualquer estágio em particular desse processo, que seja mais importante do que outro, posto que todos formam parte de uma continuidade(...). (Mônica Aguiar, 2005, 25)

Deixar de reconhecer que o momento da concepção é o instante responsável pelo início de uma nova vida, em prol de interesses em experiências científicas, possibilitadas com a evolução tecnológica, seria uma total inversão da utilidade da ciência, em que deixaria de servir ao individuo para dele se servir. Sendo assim, se o embrião concebido não tem vida, por não ser vida, o que seria? Poderíamos defini-lo como uma coisa? E se pudesse sê-lo, como explicar que durante seu desenvolvimento, deixaria de ser uma coisa, para se tornar uma pessoa detentora de direitos fundamentais? (Mônica Aguiar, 2005, 45).

Na falta de certeza, frente à dificuldade de comprovações cientificas, e a seriedade requerida pela situação, cabe-nos a adoção da máxima, segundo a qual, na dúvida, deve-se decidir pela vida – in dúbio pro vita.(Castañeda, cit, 35).

Na verdade, o que há por traz desta dissensão, são fortes interesses científicos e econômicos, que de forma covarde, utilizam seres indefesos para fins próprios. Visto que, novas descobertas no campo dos fármacos ou em da medicina geral, certamente não beneficiariam quem realmente necessita.

Diante do exposto e crédulo da adoção de um posicionamento cabível e, sobretudo humano, defendemos o momento da concepção como o único portador de argumentos aceitáveis e logicamente possíveis, mesmo diante de uma indefinição cientifica, para dar-se início uma nova vida, afinal, tudo começa com a fecundação, o que vem depois, nada mais é do que um processo de evolução ininterrupta, na qual o feto se desenvolve para chegar ao momento do nascimento, em suma, se desde a concepção ele se desenvolve é por que desde então já se tem vida. Na ciência não se tem registro de coisa inanimada que se desenvolveu, também nunca tomei conhecimento de que uma coisa transformou-se em determinado momento num ser humano, pois isso é inconcebível.

6. DEFINIÇÃO DE ABORTO

O conceito pertinente ao ato define o aborto como sendo à cessação da gestação a qualquer momento, desde o instante da concepção a ocasião do nascimento, esta cessação pode advir naturalmente ou de maneira forçosa. No primeiro caso, geralmente ocorre durante as primeiras semanas de gravidez, inclusive causando dúvidas na mulher, por dar-se de forma análoga a menstruação, obviamente não se sujeita à punição, pois é ocasionado pelo próprio organismo feminino. No segundo caso, caracteriza-se pela sua ilicitude (excluindo os casos descritos no art. 128 do CPB), e pelos vários métodos existentes. O aborto clandestino é bastante familiar no Brasil, devido sua prática reiterada, principalmente por mulheres de classe baixa e que vivem abaixo da linha da pobreza.

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento

Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

Pena - detenção, de um a três anos.

Aborto provocado por terceiro

Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de três a dez anos.

Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de um a quatro anos.

Parágrafo único - Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.

Forma qualificada

Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

Art. 128 - Não se pune o Aborto praticado por médico:

Aborto necessário

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

7. ABORTO E SUAS TIPIFICAÇÕES

O aborto pode ser perpetrado das mais diversas formas, a criatividade é tamanha que seus praticantes se valem de artifícios que abrange desde os métodos naturais, geralmente utilizados em casa, onde os meios mais empregados são os compostos de vegetais, ou ainda métodos mais graves, como a penetração de objetos perfuro-cortantes no interior da vagina.Já nos métodos químicos, podemos destacar o uso indiscriminado de medicamentos que quase sempre tem outra finalidade, como por exemplo, o principio ativo misoprostol, popularmente conhecido como Cytotec®, indicado para terapia de Úlcera gástrica, é o mais procurado para Aborto, sendo vendido ilegalmente em diversas farmácias.

Outros meios empregados para o aborto clandestino no Brasil, porém, com menor intensidade, devido aos elevados custos do procedimento, são aqueles praticados por médicos, dos quais podemos destacar os seguintes: Envenenamento salino que se sucede após a gestante receber anestesia local, o médico retira o liquido amniótico do útero e em seu lugar insere uma substância contendo solução salina. O bebê ao ingerir esta solução, terá todo o corpo interna e externamente queimado, tendo uma morte lenta e dolorosa. Após um ou dois dias a mulher começa a sentir contrações e acaba por expulsar o feto, como se fosse um parto normal. Há risco eminente para a gestante, por reações a anestesia ou má aplicação da solução, neste caso, fora do Âmnio, o que acarretará na sua morte.

Outro método razoavelmente adotado é aDilatação e Curetagem, este se caracteriza por ser bastante violento, o feto é retirado aos pedaços, para isso utilizam de instrumentos afiadíssimos com o quais raspam o tecido endometrial. Há obviamente, um enorme risco para gestante, tanto pela adoção de tal instrumento, que pode gerar sangramentos, esterilidade, quanto por infecções devido a permanecia de alguma parte do feto no útero, para diminuir este risco, os médicos geralmente remontam a criança como se fosse um jogo de quebra-cabeça, no qual não podem faltar peças.
Um das técnicas mais espantosas é a chamada, Dilatação e evacuação. Alternativa bastante empregada nos últimos meses da gestação é também uma das mais atuais e desumanas, pela frieza com a qual o ser indefeso é submetido. Consiste num continuo trabalho de dilatação do colo uterino, seguido de exames para determinar o posicionamento do bebe, que precisa estar com os pés voltados para fora e a face virada para baixo, desta forma, o médico utiliza-se de fórceps para retirar gradualmente o corpo da criança, exceto a cabeça, que por ser muito grande, fica presa no colo do útero. Com a criança já mexendo seu corpo fora do útero, o médico a segura firme e insere uma tesoura de pontas ovais em seu crânio, depois as abre a fim de aumentar a cavidade, e por ultimo, introduz um cateter de sucção para que aspire ao cérebro, fazendo com que a cabeça murche, passando facilmente pelo canal vaginal, retirando assim totalmente a criança.

Por fim destacamos a sucção, procedimento intensamente adotado principalmente nos paises desenvolvidos, chegando à estatística de 90% dos casos registrados. Ocorre com a introdução de um tubo ponte agudo no útero, com o qual, suga-se todo o feto assim como a placenta, despedaçando o feto e conseqüentemente levando-o a morte, suas partes assim como a placenta são despejadas numa espécie de compartimento oval, para posteriormente ser incinerado.

8. ARGUMENTOS ACERCA DO ABORTO

Depois de uma breve apreciação e de adotarmos um posicionamento sobre a questão pertinente ao começo da vida, torna-se interessante um breve resumo sobre as partes empenhadas na disputa que rodeia este tema. Podemos classificá-los em dois grandes grupos, citando assim os principais argumentos por eles defendidos.

8.1 Contra o Aborto

Os argumentos utilizados pelos manifestantes a favor da vida e pelas diversas religiões que defendem a total proibição do Aborto são bastante conhecidos, mas para os menos informados, basta saber que seus defensores apegam-se ao juízo de que a família constitui a base de qualquer sociedade e que a vida é o nosso bem maior, supremo, por tanto, indisponível a vontade alheia, sendo responsabilidade do estado, dar-lhe total proteção e garantir todos os seus direitos, independente de qualquer suposição. Defendem que a vida começa no momento da concepção, que se trata de um processo evolutivo e que em nenhum momento após a concepção há interrupção desta evolução, apenas com a morte.

8.2 A favor do Aborto

Fazendo oposição aos patronos da vida, encontramos os diversos movimentos pró-Aborto, dentre os quais podemos destacar as inúmeras instituições abortivas localizadas principalmente nos países que tem sua prática legalizada, grupos liberalistas e movimentos feministas, todos defensores de algo que consideramos impraticável diante dos nossos próprios costumes. Sabemos da existência de uma enorme prática de abortos clandestinos realizados anualmente no Brasil, todas as classes sociais apelam para este recurso, principalmente quando se deparam diante de uma gravidez indesejada, mas a sociedade de maneira geral se posiciona totalmente contra sua legalização, por conta da manutenção de uma "falsa" aparência de valores morais e da presença de uma forte influência religiosa.

Um dos principais argumentos utilizados pelos movimentos pró-Aborto, faz alusão ao alto índice de mortes entre gestantes, oriundas de complicações emanadas de abortos clandestinos; um outro argumento menciona a precariedade das condições, ou melhor, falta de condições para subsistência das famílias que crescem desordenadamente, principalmente no Norte e Nordeste do Brasil, especialmente nas classes menos favorecidas; e por último temos um argumento que é bastante defendido entre as feministas, refere-se ao direito que a mulher tem sobre seu corpo, no qual se pode escolher livremente se está disposta ou não a prosseguir com uma gravidez.

Para aqueles que acreditam que existe o direito ao corpo e, portanto, a mulher pode utilizá-lo da maneira que quiser, há um erro fatal nesta afirmação. Porque o corpo não é uma "coisa", ou melhor, não é uma propriedade, não estamos falando em direito a propriedade e sim condição da própria existência, a qual se configura na própria pessoa. Essa disponibilidade do próprio corpo que muitos dizem ter assume conseqüências incalculáveis, uma vez que, através dessa alegação poderíamos vender algum órgão do nosso corpo pra pagar uma divida; poderíamos engravidar e abortar só por causa de um simples capricho de "manter" o corpo, a exemplos.

Seria uma catástrofe de modo a atingir também a sociedade, pois o corpo não pode ser disponível e muito menos pertencer ao domínio do direito, pois a pessoa também se faz em sua corporeidade.

9. JURISPRUDÊNCIA APLICADA AO ABORTO ILEGAL

Todos os argumentos citados a favor ou contra a legalização do aborto, devem ser avaliados com base no ordenamento jurídico vigente e na nossa realidade. Todavia, conforme já mencionado, uma total legalização do aborto, ou seja, em qualquer época da gravidez, constitui determinação pouco provável, uma vez que, grande parte dos países que permitem o Aborto, realiza-os em condições especificas, e os que permitem totalmente, possuem programas eficazes de controle da natalidade, reduzindo significativamente o extremo apelo a esta prática.

No caso dos projetos que visam ampliação do direito ao aborto, destacamos os situados no campo do chamado aborto eugênico, principalmente quando envolve gestação de feto portador de anencefalia. Neste caso um tanto quanto esporádico, já se tem registro de autorizações permitindo o aborto, porém, em quase todos os pedidos de hábeas corpus ou mandatosde segurança estudados, solicitando à cassação destas autorizações, constatou-se o deferimento, negando o feticídio, devido a atual ilegalidade destas decisões.

Decisão: Preliminarmente, de oficio, foram suscitados pela presidência duas preliminares; a primeira, referente à possibilidade jurídica do pedido, que foi decidida no sentido de que o pedido é licito e admissível, a segunda, quanto a competência deste órgão fracionário, decidida no sentido de ter a câmara competência para o conhecimento da impetração; ambas as decisões foram tomadas a unanimidade. Ainda, em preliminar, para efeito de eventual concessão da ordem, entendeu a turma julgadora, ante a questão posta pela presidência, da desnecessidade da nomeação de curador ao nascituro, ante o evidente conflito de interesse entre a gestante e o embrião. No mérito, concedeu-se, por maioria, a ordem, consolidando a liminar, no sentido de vedar a interrupção da gravidez, vencido o Des. Valmir Ribeiro, que denegava o writ. (Tipo:Hábeas Corpus). (Órgão Julgador:Sexta Câmara Criminal). (Relator:Des. Mauricio da Silva Lintz).(Origem: Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro). (Data: 20/08/2001).

Existem algumas justificativas para o aborto eugênico, como a exemplo: a questão da qualidade de vida.

Segundo Sgreccia: "Qualidade de vida, significa: o direito à vida estaria ligado à qualidade da vida, isto é, à sua possibilidade de desenvolvimento normal".

Tal motivo alegado para abortar um embrião que esteja com anomalias, ou deficiência, é uma justificativa de caráter preconceituoso e seletivo, uma vez que os fatores do mundo externo (condições financeiras, distúrbios psíquicos do casal) não podem se sobrepor a uma vida inocente que esta pra nascer. E, portanto, se adotasse tal critério "qualidade de vida", atentaríamos também contra aqueles que já estão fora do útero materno, os adultos com alguma deficiência, e que necessitam de uma determinada atenção e de uma situação financeira para ajudar nas suas dificuldades.

O que deve ser observado é a qualidade "humana" da vida, porque a vida do feto é indisponível. Ninguém poderá dispor da vida de uma pessoa, porque a vida não é um bem o qual pode ser manipulado ao bem querer de outros e muito menos do próprio possuidor da vida.

10. A INCONSTITUCIONALIDADE DO INC. II, ART. 128 DO NOSSO CÓD. PENAL

No Brasil, como em boa parte dos paises da América Latina, o aborto é parcialmente proibido e os profissionais que o praticam estão sujeitos a penas bem severas. Nosso Código Penal prevê para os casos descritos nos artigos 124, 125 e 126, penas que variam desde a detenção de um ano até a reclusão de vinte anos, esta ultima compreende a forma qualificada, descrita no art. 127. Apesar disso, o art. 128 do mesmo código permite o aborto legal praticado por médico em dois casos peculiares.

Estas permissões foram adotadas diante de recorrentes problemas ocorridos nas situações em que se aplicam, e têm por objetivo aliviar o sofrimento da gestante, é claro que cada um a sua medida e com características próprias.

No caso do aborto necessário (inciso I), aplica-se conforme está claramente elucidada na Lei, apenas quando não há outro meio de salvar a vida da gestante. Assim sendo, ao praticá-lo, não se está abrindo mão da vida do nascituro, ou escolhendo entre uma vida ou outra, apenas configura-se uma maior possibilidade de salvar a vida da mãe do que a da criança, que constitui algo ainda incerto, uma vez que, dar preferência à tentativa de salvar a vida do nascituro, caracterizaria uma decisão inconseqüente por parte do médico.

No caso do aborto sentimental, há apenas a disponibilidade legal para a mulher violentada optar ou não pela sua prática, isso não quer dizer que ela seja obrigada. Nossa jurisprudência acolheu esta medida, diante do fato obvio, porém, não muito aceito entre os manifestantes contrários ao aborto, de que ter um filho gerado por meio de tamanha violência, e criá-lo sem dar-lhe o amor que todo filho merece ter, pois certamente, um filho indesejado e concebido nessas condições não será bem quisto, constitui um castigo para qualquer mulher, visto que, o momento da procriação humana é considerado pela maioria destas, como o ápice de suas vidas, todas sonham com o primeiro filho, e obrigá-las a prosseguir nestas circunstâncias, nada mais é que agravar seu sofrimento.

Seguindo a linha de raciocínio que levou a legalização descrita nos incisos do art. 128, e que a meu ver coerente apenas no inciso I, torna-se interessante a analise da ligação contraditória, estabelecida por partidários contra o aborto, entre o art. 128 do Código Penal, já citado acima e o art. 5º da carta Magna, que determina: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes...".

Segundo Julio Fabbrini Mirabete (1997,100), a intenção pretendida pelo legislador ao criar o inciso II do art. 128 do Código Penal, era de evitar que a mulher violentada fosse obrigada a criar um filho resultante de cópula forçada, assim como de impedir uma criança que já nasceria com personalidade degenerada pela hereditariedade paterna. Por isso, adotou-se a opção de relativização do direito à vida. Mirabete defende a exclusão da permissão ao Aborto sentimental, caracterizando-o como um desrespeito aos direito humanos constitucionais, violando ainda o disposto no art. 2º do Código Civil, também já citado acima, e o art. 7º da Lei 8.069, de 13 de Julho de 1990 - ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) que determina "A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência".

Sua posição muda quando nos referimos ao disposto no inciso I do art. 128 do Código Penal, para ele, o caráter incondicional do direito a vida só pode ser apartado, se visar à tutela de bem correspondente, que equivalha de forma idêntica, ou seja, uma outra vida, e mesmo assim de forma restrita, apenas nos casos que justificasse, por exemplo, legitima defesa, estado de guerra ou Aborto para salvar a vida da gestante.

Para o Padre Luiz Carlos Lodi (1999, 1-2), não existe aborto sentimental legal, por quanto à mulher não tem direito de Abortar, há sim, uma cessação da pena em decorrência de políticas criminais, considerando-o crime impunível, pois se o aborto impunível fosse um direito, estaria indo de encontro a Constituição Federal em seu art. 5º caput e inciso XLV, "Nenhuma pena passará da pessoa do condenado(...)". Assim sendo, Lodi entende que está claro, a criança nunca poderá ser apenada a pagar com a vida pelo crime praticado pelo seu genitor, baseando-se nisso adotou o seguinte posicionamento: "Bem, no estupro temos uma vítima, a mulher, temos um agressor (ou agressores) o estuprador. Porém, se provocarmos o aborto condenaremos à pena Capital (morte) alguém que não cometeu crime algum, o feto".

Conclui-se então que há transgressão a clausula pétrea da nossa Constituição, por parte da permissão a prática abortiva descrita no art. 128, inciso II do Código Penal brasileiro, pois a vida só pode ser sacrificada mediante bem jurídico de idêntico valor, não havendo outro, apenas a vida, nos casos específicos descritos acima.

11. CONSEQUÊNCIAS PSICOLÓGICAS DA INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ

A realização do aborto, além de repercutir na esfera: moral, ética, jurídica, sobretudo atinge o fator psicológico. Essas conseqüências psicológicas revelam conflitos pessoais, os quais podem marcar emocionalmente a pessoa que comete aborto, de modo a prejudicá-la no seu dia a dia.O sentimento de culpa, ou o remorso também colaboram para interferir no psicológico e pode abalar toda uma estrutura de vida. Uma das outras conseqüências mais marcantes do aborto "é a reação deletéria", que é "a fragmentação da pessoa e do casal pela ruptura evidente das dimensões fundamentais do eros e do thanatos".Ou seja, tal resultado chega a ser tão problemático, podendo atingir a estrutura familiar e a estrutura mais intima, individualmente falando.Porque há na realidade duas famílias, uma "idealizada-institucional" baseada no eros, e outra "fantasmagórica-profunda", onde prevalece a inconsciência, mas especificamente , o thanatos .Quando acontece de o thanatos (fatores inconscientes) se sobrepor ao eros(idealizado-institucional), o bebê que ainda não nasceu,mas que vai nascer já esta psicologicamente presente e de nada adianta pensar que o aborto não vai afetar o psicológico de cada um que comete tal procedimento "abominável".

12. CONCLUSÃO

O ser humano é durante o inicio da gestação uma vida em formação, gerada e composta de fases, as quais, ao se findarem, indicam que uma vida que já estava sendo preparada, se assim pode-se dizer, desde o inicio da concepção, está pronta para se desvincular, ou ainda, deixar de ter dependência para com a mãe. Esse raciocínio não quer dizer, como muitos alegam que quem não é a favor do aborto, seja parcialmente ou totalmente, enxergue o embrião, como parte do organismo da mulher, ou melhor, como se fosse um órgão, a exemplo. Tal reflexão é equivocada, pois todos nós sabemos que o que está em questão é o processo de desenvolvimento embrionário, que sem este, naturalmente, não haveria possibilidade de vida. Portanto, a interrupção de um dos estágios da vida humana, implicaria na não conclusão da vida do ser humano.

O aborto é um assunto que sempre estará na nossa consciência, porquanto, até mesmo antes de refletirmos sobre nossas opiniões e convicções individualistas, trataremos o tema com repúdio e com muita ponderação. Não importa se vivemos numa época avançada, onde as pessoas se consideram modernas, pois toda vez que uma mulher decidir por abortar um bebê, tal ato marcará diretamente a própria vida e indiretamente a sociedade.



REFERÊNCIAS

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, vol. 2, 12ª edição. São Paulo: Atlas, 1997.

PESSINI, Léo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. Problemas atuais de bioética, 5° edição revista e ampliada.São Paulo: Loyola, 2000.

RIOS, André Rangel; ITAGIBA, Ivair Coelho Lisboa; BARBOZA, Heloisa Helena; BARRETO, Vicente; RAMIREZ, Madalena; BECKER, Paulo; LEVCONVITZ, Henrique; SANTOS, Joel Rufino; BECKER, Bertha. Bioética no Brasil. Editora: Espaço e tempo, 1999.

RUSSO, Giovanni. Educar para a bioética. Editora Vozes.Rio de Janeiro, 1997

SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética I - Fundamentos e ética Biomédica. Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 1996.

Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de Outubro de 1988.

Código Penal brasileiro, Lei Nº. 7.209, de 11 de Julho de 1984.

Código Civil brasileiro, Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002.

Revista Veja, 25 de Abril de 2007


Fonte:WebArtigos.com

Share/Bookmark

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Analisando razões para a legalização do aborto

Esses dias eu vi um link para este texto falando de "dez motivos para a legalização do aborto". O autor reuniu os argumentos que, penso, são os mais comumente utilizados para defender a legalização do aborto. Embora eu defenda sim a legalização do aborto dentro de certos parâmetros , acho que é produtivo e interessante atacar argumentos que defendem a mesma posição, até para encontrar os melhores argumentos. Afinal não é isso que se procura?

1) De 2002 a 2007, cerca de 1,2 milhão de mulheres procuraram o Serviço Único de Saúde no Brasil por conta de complicações em abortos mal realizados (fonte: SUS);

Essa afirmação não acrescenta nada à questão moral que é o aborto. Eu poderia encontrar algum dado que afirmasse que "de tal a tal, x milhões de pessoas procuraram o Serviço Único de Saúde no Brasil por conta de complicações em crimes mal realizados", algo assim. Se o aborto for de fato, em essência, imoral não é um dado como esse que o tornará moral. Pessoas todos os dias recorrem ao SUS por ferimentos em assaltos, por exemplo, e a imoralidade do assalto em si não é afetada pelo dano no assaltante. Mas evidente que o número diz algo, mas ele não mostra por si só que por ser frequente o aborto então deve ser legalizado.

2) Nesta mesma época, R$ 160 milhões foram gastos pelo SUS para acolher estas mulheres;

A resposta é semelhante a mesma da afirmação anterior. O que mais me aflige diante de um dado como esse é lembrar que apesar desse gasto significativo essas mulheres são, na maioria das vezes , mal atendidas e tratadas com displicência. Por exemplo, é corriqueiro no SUS que mulheres que são atendidas durante um aborto sejam tratadas com descaso, sem receber ao menos anestesia, e isso independente do aborto ter sido provocado ou acidental. Mais adiante neste blog tratarei do problema com dados precisos.

3) A maior parte das mulheres que sofrem complicações por abortamentos mal realizados são pobres e negras;

Sim, assim como as afirmações anteriores demonstram, o aborto é também um problema social. Mas isso não é um argumento moral, ou seja, esse dado não ajuda a mostrar que o aborto é ou não imoral.

4) Definir quando quer ter filhos/as é direito sexual e reprodutivo das mulheres;

Sim, com certeza. Mas disso não se segue que o feto também não tenha direito. Pois este é o ponto, definir quando começam os direitos do feto. O direito da mulher no assunto aborto termina quando começa o do feto. Por exemplo, dificilmente se encontrará alguém que defenda a legalização do aborto no oitavo mês, quando o bebê ainda não está suficientemente maduro para nascer mas a chance de sobrevivência fora do útero é alta, mesmo se defendendo o direito da mulher ao planejamento familiar. Parece que a viabilidade e a capacidade de sentir dor conferem ao feto algum direito, sendo assim pode haver em alguns casos um conflito de interesses.

5) Cientistas não concordam (e talvez jamais concordarão) sobre quando exatamente tem início a vida. A estrutura cerebral completa se dá apenas aos 3 meses de gravidez, o que é argumento para a regulamentação do aborto até este limite;

A discussão do aborto não é sobre o começo da vida. Não se está defendendo algo assim, a essência do problema não é o começo da vida, mas o começo da pessoa. Um parasita é uma vida, mas não se vê uma campanha a favor das lombrigas. Por outro lado é verdade que a concepção não é algo instantãneo, mas sim um processo que leva cerca de 24 horas.

O segundo ponto, por outro lado, é de fato um argumento muito bom. Parece que de algum modo para se possuir direitos é necessário uma estrutura, e no caso uma estrutura cerebral mínima para se compor uma pessoa. Estou usando o termo pessoa num sentido muito mais filósofico que jurídico. Sendo assim, depois que essa estrutura cerebral está pronta o feto passa a possuir propriedades que conferem certos direitos, e não se pode mais provocar o aborto. Nesse ponto pode-se perceber qual é a natureza da questão do aborto, porque ele parece ser defensável antes dos três meses, e porque não seria defensável depois.

6) De acordo com a legislação atual (de 1940), o abortamento é já é legal se a mulher tiver sido vítima de estupro ou se correr risco de vida. Na prática, porém, estas exceções não funcionam como deveriam;

Até aonde eu sei não é bem assim que a legislação é, mas isso é uma questão jurídica e não moral. A legalidade não diz se determinada ação é boa ou moral, mas sim se é permitida ou obrigatória. Mas deixando esse ponto de lado, supondo que a afirmação é verdadeira, essas exceções só mostram uma inconsintência. Não vou entrar no mérito do caso de risco de vida para a mãe, mas me incomoda em particular o caso do estupro. É um discurso contraditório defender o aborto no caso de estupro e nos outros casos condenar. É dizer que um feto gerado através de estupro tem menos valor que um gerado através de uma relação consensual, é dizer que se um feto é pessoa num caso no outro não é, ou tem menos valor, ou seja, é profundamente inconsistente

7) Convicções religiosas são legítimas e devem ser seguidas pelo fiel de cada credo. Se uma determinada religião não aceita uma prática qualquer da sociedade, está no seu direito de solicitar que seus seguidores não compactuem com esta prática. Mas o dogma não deve interferir na legislação ou na garantia dos direitos das outras pessoas;

Endosso completamente essa afirmação. A legalização do aborto é para se permití-lo, não para torná-lo obrigatório. É como a questão do casamento gay, se você não gosta, tem algo contra, não tenha um oras.

8) Você certamente conhece alguém muito próximo que já passou pela experiência do aborto. Com certeza alguém do seu ciclo de amizades ou da sua família. Muito possívelmente até você. E você não acha que essa pessoa tem que ir para a cadeia por conta disso;

Esse argumento é ruim, e se parece com os primeiros. Na verdade é pior, porque apela para um sentimento afetivo para com as mulheres mais próximas. Eu poderia ter um parente que é um político corrupto, e o meu sentimento por ele faria com que eu achasse que ele não deveria ir para a cadeia por causa disso. Quer dizer, o que o meu sentimento em relação a alguém próximo diz de fato acerca da questão do aborto? O aborto então seria parcial, para quem eu gosto não tem problemas , mas para mulheres que não conheço há um problema, como isso responde à questão?

9) Por incrível que pareça, camisinha também falha. Muito muito pouco, se bem utilizada. Mas falha.

Sim, não só a camisinha, mas todos os outros. Quem engravida acidentalmente não é, necessariamente, alguém alienado ou despreocupado em relação aos anticoncepcionais. Mas isso não é um bom argumento, por maior que seja o cuidado no planejamento familiar pode ser que aconteça uma gravidez indesejada, mas o fato dessa gravidez ser acidental não a torna, em essência, diferente da planejada. O resultado da concepção é um embrião seja na gravidez planejada, acidental, ou estupro. Se o embrião tem ou não direitos não se descobre verificando a origem da sua concepção, nem a intenção dos pais.

10) Quase um lembrete: ser a favor da legalização do aborto não quer dizer ser a favor do aborto. Quer dizer que você é a favor que as mulheres que precisem recorrer a este procedimento possam fazê-lo através do serviço público de saúde sem medo de represálias e sem correr risco de morte.

Concordo em grande parte. Porém, e aqui abro um parênteses, infelizmente acho que será necessário mais que a legalização do aborto para que mulheres que passam por este procedimento sejam atendidas com o cuidado e respeito necessário. E não falo de recursos financeiros, um problema sério é o estigma social do aborto. É o médico , ou enfermeira, que materializam na paciente o seu julgamento de valor acerca do aborto, e assim acontecem casos de mulheres abortando sem o mínimo de atendimento, sem algum anestésico por exemplo.
Mas é basicamente isso: ser a favor da legalização do aborto diz algo sobre o mundo em que você quer viver, e não sobre uma decisão pessoal que você quer tomar.
...
Por Barbara Pádua
.
Fonte: Blog Ética e prática

.
Share/Bookmark

terça-feira, 12 de outubro de 2010

QUANDO IMPETRAR O HABEAS CORPUS

Toda vez que o ser social, estiver sofrendo, coação, violência ou constrangimento ilegais, previstos pela Constituição Federal promulgada em 5 de outubro de 1988, outros elencados no artigo 648 e incisos do Código de Processo Penal, e outros ainda, que não foram previstos pelos legisladores e que mostraremos adiante, "essa é a hora" de se impetrar o "Habeas Corpus".

Violência, coação ou constrangimento, em termos jurídicos, são todos os acontecimentos que ocorrem, quando a lei determina uma coisa e as autoridades, ou seus representantes, atuam contrariamente. Exemplos:

a) - O cidadão - entendemos que antes de ser condenado com sentença condenatória irrecorrível, deva ser tratado como ser social em sua denominação, ao invés de acusado, indiciado etc. -, que eventualmente tenha praticado um delito, ou haja suspeição de que tenha sido, e venha a ser preso em "flagrante delito", deve, por força dos dispositivos constitucionais, ser orientado e cientificado de seus direitos constitucionais prescritos na Constituição Federal (art. 5º incs. LXIII e LXIV).

b) - A mulher gestante, que eventualmente venha a ser presa, por qualquer razão (flagrante ou não), deve receber tratamento diferenciado, em razão do "ser" que carrega dentro de si, e que por força da lei deve ser protegido e assegurado o seu desenvolvimento natural (art. 4º do Código Civil).

c) - Quando o cidadão tenha sido condenado a pena restritiva de direito e permaneça preso em regime fechado, porque na comarca não existe a Casa do Albergado.

O Eminente Juiz Wladimir Valler[1] preleciona que:

"A pena restritiva de direito consiste na limitação de fim de semana é também denominada prisão de fim de semana. A pena privativa de liberdade imposta, uma vez preenchidos os requisitos ou condições, é substituída pela obrigação do condenado de permanecer, durante cinco horas, aos sábados e domingos, em casa de albergado ou em outro estabelecimento adequado. Como a lei menciona apenas aos sábados e domingos, inviável será impor ao condenado a limitação de fim de semana também nos feriados".

Portanto, neste caso, embora sentenciado, caracteriza-se constrangimento.

d) - Entendemos, ser constrangimento ilegal, ou melhor, VIOLÊNCIA IMORAL, a segregação do condenado sem o exame criminológico de classificação (art. 8º. da Lei nº 7.210/84), em que tem que avaliar as condições do condenado para uma adequada classificação, ou seja, não colocar na mesma cela por exemplo, um perigoso latrocida confesso, com um depositário infiel...

Mirabete[2] lembra que:

"Inseparável do estudo da personalidade do condenado e também o de seus antecedentes, entre os quais se destacam a reincidência e o envolvimento em inquéritos ou processos judiciais, mas que alcança toda vida pregressa do condenado. O exame desses antecedentes também podem ser muito úteis à classificação do condenado e à determinação do tratamento penitenciário a ser seguido.

Os exames de personalidade e dos antecedentes são obrigatórios para todos os condenados a penas privativas de liberdade e se destinam à classificação que determinará o tratamento penal mais recomendado. Como se anota na exposição de motivos, reduzir-se-á a mera falácia o princípio da individualização da pena se não se efetuar o exame de personalidade no início da execução, como fator determinante do tipo de tratamento penal e se não forem registradas as mutações do comportamento ocorridas no itinerário da execução".
 
Entendemos, ainda que, o cidadão, enquanto perdurar a persecução processual, deva permanecer segregado - se o exigir o delito (estuprador confesso, etc.) -, separado dos demais infratores, principalmente, se estes estão condenados.
 
"Não se fala em prisão, não se fala em constrangimento corporal. Fala-se amplamente, indeterminadamente, absolutamente, em coação e violência; de modo que, onde quer que surja, onde quer que se manifeste a violência ou a coação, por um desses meios, aí está estabelecido o caso constitucional do Habeas Corpus. Quais são os meios indicados? Quais são as origens da coação e da violência, que deve concorrer para que se estabeleça o caso legítimo de Habeas Corpus? Ilegalidade ou abuso de poder. Se de um lado existe a coação ou a violência e de outro a ilegalidade ou o abuso de poder, qualquer que seja a violência, qualquer que seja a coação, desde que resulte do abuso do poder, seja ele qual for, ou de ilegalidade, qualquer que ela seja, é inegável o recurso do Habeas Corpus". (Rui Barbosa - parte do discurso proferido pelo grande Mestre em 22.01.1915, numa Sessão do Senado Federal, lembrado pelo eminente jurista Rubem Nogueira)[3].
 
E se a doença (constrangimento, violência, coação etc.) está presente e pondo em risco a "saúde" do grupo social é necessário que se combata com eficácia ministrando-se o remédio certo que é o Habeas Corpus.

--------------------------------------------------------------------------------

[1] VALLER, Wladimir Responsabilidade Civil e Criminal Tomo II, 3º E.V. Editora, 1993, pág. 624.

[2] MIRABETE, Julio Fabbrini Execução Penal - Comentários Editora Atlas, 1987 - pág. 6.
 
---------------------------------------------------------------------------------
 
Autor: Jorge Candido S. C. Viana
 
Fonte: JurisWay
Share/Bookmark

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Considerações sobre as regras fundamentais da sucessão legítima

 Toda sucessão legítima baseia-se no fato de o falecido ter falecido sem ter feito testamento, é o que chamamos de ab intestato, presume a lei sua vontade, determinando por isso o destino de seus bens.

Código Civil de 2002 realizou uma verdadeira revolução quando operou substancial alteração na seqüência de chamamento dos herdeiros legítimos, ou seja, na ordem vocacional hereditária.

Os herdeiros parentes sucedem ou por direito próprio (iure proprio) ou por direito de representação (iure representationis) ou por direito de transmissão (iuris transmissionis).

Assim a sucessão legítima, essa ordem que é ditada pela lei de chamamento dos herdeiros se baseia na presunção legal de afetividade.

Se os filhos dão continuidade à estirpe do pai, a lei determina que a herança então vá para o filho. Assim se os filhos são a continuidade da estirpe, nada mais justo que sejam os primeiros a receber a herança.

Portanto, na ordem vocacional hereditária são chamados os parentes mais próximos a suceder, todos em igualdades de condições. No vetusto Código Civil de 1916 era possível a bisavó herdar antes mesmo do cônjuge.

O art. 1.829 do CC trouxe a nova ordem vocacional hereditária aonde se previu a figura inédita da concorrência sucessória, chamando o cônjuge (agora herdeiro necessário por força do art. 1.845 CC) que é chamado a suceder desde que preenchidos certos requisitos concorrendo com os descendentes e ascendentes o patrimônio amelheado do de cujus.

É curial a lembrança feita pela Professora Giselda Maria Fernandes Hironaka quando elucida que “o amor primeiro desce para depois subir”. Os descendentes são herdeiros por excelência, são as primeiras pessoas lembradas para suceder o patrimônio deixado.

Oportuno relembrar que no Código Civil de 1916 em seu art. 1.603, eram os descendentes também lembrados e efetivamente chamados em primeiro lugar para herdar, excluindo todos os demais parentes do de cujus.

Concluímos então, a primeira regra relevante: a existência de herdeiros de uma classe exclui do chamamento à sucessão herdeiros da classe seguinte.

Havendo filhos, não serão chamados os pais do de cujus para herdarem. O filho unigênito (único) receberá a totalidade da herança.

Mas com o C. C. de 2202 a regra deve ser lida com cautela pois realizou o diploma legal várias ressalvas ou exceções à sua aplicação. Assim o que significava uma presunção absoluta ou iure et iure tornou-se relativa e passou a ser iuris tantum.

Entretanto, o art. 1.833 do CC faz ressalva quanto à possibilidade de ocorrer o direito de representação quando a lei chama certo parentesco falecido a suceder a todos os direitos, em que sucederia se vivo fosse.

Como primeira exceção, devemos aludir a concorrência sucessória entre o cônjuge sobrevivente e os descendentes do falecido em certas situações, dependendo do regime de bens do casamento (art. 1.829, I do CC/2002).

Também haverá concorrência sucessória entre o cônjuge sobrevivente e os ascendentes do falecido qualquer que seja o regime de bens. Há ainda, a concorrência sucessória entre a companheira sobrevivente e os descendentes do falecido sobre os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável ( art. 1.790, I e II do CC/2002).

Também é prevista a concorrência sucessória entre o companheiro sobrevivente e ascendentes e colaterais do falecido. Por fim, haverá ainda o direito real de habitação ao cônjuge independentemente de regime de bens e de sua participação na herança (art. 1831 do CC).

O direito de representação é plenamente aplicável na sucessão dos descendentes e ocorre quando um dos descendentes de grau mais próximo ( um dos filhos do de cujus, por exemplo) é considerado indigno ou é morto que deixa dois filhos ( que serão netos do de cujus).

Outro exemplo esclarecedor é o caso se A falecer, sem ter esposa ou companheira, e deixar pai e seus irmãos vivos (colaterais), o pai (na qualidade de ascendente) receberá toda herança e os irmãos nada recebem.

Assim, se A falecer sem descendentes ou ascendentes, deixando cônjuge vivo, independentemente de regime de bens, ainda que tenha sobrinhos ou irmãos, o cônjuge receberá toda herança e os parentes colaterais nada receberão.

A segunda regra sucessória é a seguinte: dentro de uma classe de herdeiros, os herdeiros de grau mais próximos excluem da sucessão os de grau mais remoto. Tal regra é basilar e já existente no código civil anterior, tendo sido repetida no Código Civil vigente ( nos arts. 1.833, 1.835 e 1.840 ).

Regra originária da Lei das XII Tábuas de 450 a. C., onde os herdeiros de segunda classe, os agnados ( que não se encontravam sob o patria potestas do falecido), de grau mais próximo excluíam os de grau mais remoto.

Ilustra bem Flávio Tartuce ao citar: se o falecido deixa dois filhos( que são descendentes de primeiro grau) e um neto (descendente de segundo grau), não tendo esposa e nem companheira, apenas seus dois filhos recolherão a herança, o neto nada receberá. Isso se tratando de sucessão legítima.

Outro exemplo para elucidar: se o falecido A deixar dois irmãos B e C (que são colaterais de segundo grau) e um tio (D) que é colateral de terceiro grau vivo, em não tendo descendentes, nem ascendentes, cônjuge ou companheira, os irmãos tudo receberão.

Lembramos que a expressão “pré-morto” significa que o avô e o pai de A já eram falecidos quando A morreu.

O art.1.835 CC complementa o art. 1.833 do CC e deve ser dividido em três partes para melhor compreensão. Preliminarmente, determina que os filhos sucedam por cabeça, significa dividir a herança pelo exato número de filhos existentes. Portanto, havendo três filhos do de cujus, a herança divide-se por três; havendo quatro, divide-se por quatro e, assim sucessivamente.

A segunda parte do art. 1.835 do CC propõe que os outros descendentes (netos, bisnetos, e assim por diante) só sucederão por cabeça quando se encontrarem no mesmo grau.

A terceira e derradeira parte do referido dispositivo legal determina que os outros descendentes quando em graus diferentes sucederão por estirpe ( por tronco familiar).

Significa que quando os descendentes estiverem em graus diferentes (exemplo filho e netos do de cujus) a divisão não será pelo número de descendentes, mas pela estirpe que cada um deles representa.

Assim se um dos filhos é pré-morto e deixou dois filhos (netos do falecido) haverá a divisão em dois troncos, a metade irá para o filho vivo e, a outra metade será partida pela metade entre os dois filhos do pré-morto(netos).

Frise-se que se além dos descendentes ainda houve também o cônjuge sobrevivente, diante o atendimento de certos requisitos, dar-se-á a concorrência sucessória.

A sucessão por cabeça ou in capita quando a herança é dividida, em partes iguais, pelo número de herdeiros (incluindo o cônjuge e o companheiro) eis que sucedem aqueles do mesmo grau.

A sucessão por estirpe(in stirpes), se a divisão da herança opera-se pelo número de herdeiros, em partes iguais, do mesmo grau. Em vista do falecimento de alguns, dividem-se os respectivos quinhões pelo número de herdeiros deixados que os representam, como se dá com a morte do filho do autor da herança, indo a respectiva quota aos filhos daquele.

A sucessão por linha ( in lineas) verificada no caso de haver ascendentes da linha paterna e da linha materna, concorrendo à sucessão na herança conjuntamente, e em igualdade de condições.

Portanto na distribuição ou partilha da herança, vigem as seguintes regras básicas:

Havendo igualdade de parentesco, sendo todos filhos ( e incluindo-se o cônjuge ou companheiro) ou todos colaterais, divide-se a herança por cabeça.

Havendo igualdade de parentesco por linhas, e partilha se fará por linha. Nesta ordem, não importará se há somente um ascendente na linha paterna, e dois na linha materna. Cada linha receberá metade do patrimônio.

Havendo parentes de graus diversos, no momento da abertura da sucessão, como filhos vivos e netos, proceder-se-á divisão por estirpe, ou pelo número de filhos. Os netos sucederão por representação.

Se depois da abertura da sucessão ocorrer à morte de um herdeiro, far-se-á divisão por estirpe, em existindo descendentes ou colaterais, ou por linhas , se restarem unicamente ascendentes.

Unicamente a metade de sua meação poderá testar a pessoa, se existirem herdeiros necessários, isto é, descendentes, ascendentes e o cônjuge como decorre do art. 1.789 do CC. A proteção legal do montante da legítima força o testador a respeitar a metade limitativa da testamentificação ou da doação, pois pertence de pleno direito aos herdeiros legítimos ou reservatários.

Se desrespeitado o quantum protegido da legítima, os herdeiros necessários possuem o direito de reduzir a liberalidade para que a mesma chegue a seus reais limites. Não sendo assim, os demais herdeiros podem agir contra aquele que seja mais-aquinhoado.

É relevante recordar que o total da herança é considerado após abatidas todas as dívidas e encargos, e à legítima se chega depois de calculada a herança conforme o art. 1.847 CC.

Portanto, a legítima é calculada sobre o líquido da herança.

A sucessão dos pais adotivos e a sucessão nos bens dos pais biológicos do filho adotado a rigor, não deve mais existir distinção alguma entre pais adotivos e pais biológicos, inclusive quanto à sucessão em vista do art. 41 do ECA.

Consumada a adoção, os pais adotivos são simplesmente pais, e em tudo iguais aos pais biológicos. Isto por força do art. 227, sexto parágrafo da Constituição Federal Brasileira.

Aliás é garantida a sucessão resultante de adoção, e é recíproco o direito sucessório entre adotado e adotante, seus descendentes, ascendentes e colaterais até quarto grau, observada a ordem vocacional hereditária.

Nenhuma diferença existe, portanto, entre a sucessão na filiação biológica e na adotiva. Quanto aos pais biológicos, por determinar a adoção o rompimento de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais (art. 41 do ECA) são totalmente alijados da herança, mesmo que não tenha o adotado qualquer parente com a qualidade de uma das previsões do art. 1.829 do C.C.

Mesmos aos filhos adotados não mais se reconhece o direito de suceder por morte dos pais biológicos. Há um rompimento completo do vínculo anteriormente existente.

Ao tempo de vigência do Código Civil de 1916, muitos restringiam tais efeitos à adoção disciplinada pelo ECA, sem qualquer reflexo na adoção disciplinada no CC.

Isto porque, defendia-se, se impunha a combinação do sexto parágrafo do art. 227 do texto constitucional ao caput do mesmo dispositivo: a igualdade limitar-se-ia à adoção de menores porque exclusivamente às crianças e aos adolescentes é dirigido o caput do art. 227.

A adoção de pessoas maiores de dezoito anos estaria ferindo a própria finalidade precípua da adoção, pois não existiria razão em proteger pessoa com idade superior através da adoção, quando muitas formas existiam.

Desaparecidas as diferenças entre adoção simples e adoção plena. Não se pode diferenciar os filhos havidos por adoção pois que terão os mesmos direitos e qualificações que aqueles biológicos ou nascidos durante o casamento.

Duas são as exceções à regra geral pela qual dentro de uma classe de herdeiros, os herdeiros de grau mais próximo excluem da sucessão os herdeiros de grau mais remoto.

A primeira destas refere-se à classe dos colaterais. Se o tio do morto (parente em terceiro grau) concorrer com o sobrinho do morte (parente também em terceiro grau), o sobrinho do morto ficará com toda a herança (art. 1.843 do CC). Apesar do tio do morto e do sobrinho serem ambos parentes colaterais de terceiro grau, não havendo, portanto, grau mais remoto por opção do legislador o sobrinho ficará com a totalidade da herança.

A outra exceção refere-se ao direito de representação, que é disciplinado pelos arts. 1.851 ao 1.856 do CC. Apesar da diferença de graus, alguns parentes do falecido que estariam excluídos da sucessão por serem parentes de grau mais remoto receberão parte da herança em razão do direito de representação, que só ocorre quando houver diversidade de graus.

Portanto, se todos os herdeiros chamados a suceder forem de mesmo grau, não haverá direito de representação.

Assim, dá-se o direito de representação quando a lei chama certos parentes do falecido a suceder em todos os direitos em que este sucederia se vivo fosse, e, em complemento acrescenta o art. 1.854 do CC que os representantes só podem herdar, como tais, o que herdaria o representado se vivo fosse.

Frisa João Luiz Gavião de Almeida, os chamados representantes, em verdade, não o são. Não recebem pelo representado, apenas no lugar deste. Não estariam representando outros herdeiros, mas os substituindo. Por isso, a expressão por direito de substituição seria mais apropriada.

Em razão dessa crítica, o saudoso Washington de Barros Monteiro propunha a divisão da ordem vocacional hereditária em direta e indireta. Será direta, quando o título de herdeiro resulta da atribuição direta feita pela lei, ou pelo testador; será indireta quando o título de herdeiro promana da lei, mas a primeira vocação não pode se efetivar pela ausência do convocado, substituído por seu descendente.

A representação é típica e própria da sucessão legítima e não se aplica a sucessão testamentária. E decorre da presunção de afetividade do falecido com relação a determinados parentes.

Os filhos do adotado necessariamente herdam, por direito de representação, os bens que ficam por morte do adotante. Herdam os filhos por direito de representação, uma vez que o adotado adquire um direito o de suceder dentro de certos parâmetros. E, esse direito de sucessão é transmitido aos filhos. Com a qualidade de herdeiro do adotado, necessariamente terá o filho os direitos de suceder por representação.

Indaga-se, Rizzardo, se há representação dos filhos de pai adotado, ou netos do adotante. A resposta é afirmativa. E vale a fundamentação da isonomia de qualquer espécie de filhos. Antes da Constituição Federal Brasileira de 1988 afirmava-se em aresto: “Concorrendo os descendentes do filho adotivo com outro filho adotivo da inventariante, tem ele direito à herança por direito de representação...”

Embora se possa sustentar que a representação seja exceção, no caso da adoção não há como afastar o benefício em favor do agravado, quando concorre com irmão de seu pai. Por isso, é defensável o entendimento de que o parentesco civil se prolonga até os filhos do adotado.

A representação do filho adotado na sucessão dos pais do adotante ficou singela em face do art. 1.626 que modificou a regra sobre a matéria que vigorava no art. 376 do C.C. de 1916.

A adoção atribui situação de filho ao adotado, rompendo qualquer vínculo com pais e parentes consangüíneos, exceto quanto aos impedimentos matrimoniais.

Enquanto que em face do art. 376 do revogado codex, o parentesco se limitava ao adotante e adotado, de modo que a sucessão não atingia os parentes do adotado, como seus descendentes.

Na inexistência de descendentes ou ascendentes do adotante, recaía a herança para os colaterais. Foi exatamente essa a posição do STJ no Resp 740.127/SC da Terceira Turma, julgado em 11.10.2005, DJU 13.12.2006: “Nas questões que versam acerca de direito sucessório, aplica-se a lei vigente ao tempo da abertura da sucessão. As adoções constituídas sob a égide dos arts. 376 e 378 do CC/1916 não afastam parentesco natural, resultante da consangüinidade, estabelecendo um novo vínculo de parentesco civil tão-somente entre adotante e adotado. Tem, portanto legitimidade ativa para instaurar procedimento de arrolamento sumário de bens, o parente consangüíneo de segundo grau na linha colateral( irmão natural), notadamente quando pela ordem vocacional hereditária, ausentes descendentes, ascendentes, cônjuge ou companheiro do falecido”.

Conclui-se que em face do art. 1.626 do CC surgiu um novo parentesco, e, assim uma nova relação em matéria sucessória. Que tanto prestigia os mais altos valores espirituais que refletem a grandeza do gesto de adotar que é sempre integral e irrevogável com as naturais decorrências.

Os ascendentes são herdeiros e convocados pela lei em segundo lugar, desde que o de cujus não tenha deixado descendentes. Nessa convocação, o legislador não se esqueceu do cônjuge do falecido, que terá direito de concorrer com os ascendentes nas condições e quotas dispostas pela lei.

As regras específicas para a sucessão do ascendentes prevêem que o grau mais próximo exclui o mais remoto, sem exceções.( art. 1.836, primeiro parágrafo C.C.) Se o de cujus não tinha pai, mas deixou mãe, essa herdará a totalidade da herança, não se questionando eventual existência de outros ascendentes tais como avós paternos, avós maternos do de cujus. Não há direito de representação na linha ascendente.

Outra regra é prevista no art. 1.836, segundo parágrafo do CC e admite a hipótese de na classe ascendente haver igualdade em grau (por exemplo, vários avós, seja por linha materna ou linha paterna). Assim concorreriam três sucessores do mesmo grau (segundo), mas haveria duas pessoas na linha materna e apenas uma pessoa na linha paterna. Nesse caso, a lei optar por dividir a herança em duas partes iguais, uma para cada linha.

O art. 1.834 do CC sem ter correspondente no C.C. de 1916 determina “os descendentes da mesma classe têm os mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes”. É crassa a inutilidade do dispositivo, isto porque todos os descendentes estão na mesma classe. Portanto, a escorreita interpretação do referido dispositivo legal é a seguinte: todos os descendentes têm direitos iguais.

A regra decorre da discriminação entre filhos, sejam estes advindos de casamento, união estável, concubinato ou de adoção. Aliás, não se pode mesmo admitir, em hipótese alguma a utilização de expressões adjetivas tais como filhos incestuosos ou adulterinos ou espúrios, terminologia preconceituosa, arcaica e completamente condenável.

Flávio Tartuce aponta que o mais correto seria entender que os descendentes do mesmo grau possuem o mesmo direito à sucessão. Pretende o Projeto de lei 6.960/2002 de autoria de Ricardo Fiúza alterar o dispositivo que teria então a seguinte redação (art. 1.834): Os descendentes do mesmo grau, qualquer que seja a origem de parentesco, têm os mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes”.

Além dessa modificação o referido projeto pretende acrescentar um parágrafo único ao art. 1.835 que passaria a ter o seguinte teor: “Se não houver pai ou mãe, o filho portador de deficiência que o impossibilite para o trabalho, e desde que prove a necessidade disto, terá, ainda, direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar, enquanto permanecer na situação que justificou esse benefício.”

O vetusto Código Civil de 1916 já tinha criado o direito real de habitação ao filho portador de deficiência que o impossibilite ao trabalho (vide o art. 1.611, terceiro parágrafo) em razão do disposto na Lei 10.050/2000. Visando então a proteção e manutenção de um patrimônio mínimo a favor da pessoa humana com fulcro na célebre teoria do Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo, de autoria de Luiz Edson Fachin.

Ademais, deve-se recordar a proteção constitucional da moradia constante no art. 6º caput da Constituição Federal de 1988, que mais uma vez exige a face de um Direito Civil personalizado ou repersonalizado que se preocupa mais com a proteção da dignidade da pessoa humana consagrada nos termos do art. 1º, III da Constituição Federal de 1988.

O direito real de habitação seria criado sob condição resolutiva e, uma vez cessada a situação que ensejava tal benefício, estes se resolveria, e enfatiza o autor do Projeto de Lei que a proteção é mais dirigida ao portador de deficiência do que propriamente a figura do filho em si, partindo-se da máxima aristotélica de que a igualdade se faz a partir do tratamento desigual conferido os desiguais, na proporção de suas desigualdades.

Mas, infelizmente o C.C. 2002 grasnou um injustificável retrocesso em prejuízo dos portadores de necessidades especiais, o que em nada coaduna com a consagração do princípio da dignidade humana e nem com o direito civil constitucionalizado.

Por fim, para resumirmos relembramos que se houver igualdade de graus e igualdade de linha do ascendente no momento do falecimento, dar-se-á a sucessão por direito próprio, ocorrendo a partilha por cabeça. Exemplificando: o falecido deixa apenas mãe e pai vivos sem nenhum avô paterno ou materno.

Se houver, no entanto, igualdade de graus porém diversidades de linhas dos ascendentes no momento do falecimento, dar-se-á sucessão por direito próprio e, ocorrerá a partilha por linhas.

Por derradeiro cumpre assinalar que os ascendentes por afinidade ( sogro, sogra, ) do falecido nada recebem por sua morte porque a herança se defere aos ascendentes que sejam parentes consangüíneos ou por adoção(pais biológicos, adotivos ou socioafetivos) mas não por afinidade.

Deixarei em face da complexidade ainda sobre o tema da sucessão legítima, a sucessão legítima do cônjuge principalmente em face das questões controvertidas e por merecer certamente detida avaliação tanto doutrinária como jurisprudencial.

Gisele Leite


Referências

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Sucessões. 5ª. Edição, Revista e atualizada. Rio de Janeiro, Editora Forense(GrupoGen), 2009.

TARTUCE, Flávio e José Fernando Simão. Direito Civil – Série Concursos Públicos, Direito das sucessões , volume 6, São Paulo, Editora Método(GrupoGen), 2007.

NICOLAU, Gustavo Rene. Direito Civil, Sucessões. Série Leituras Jurídicas – Provas e Concursos, Editora Atlas, 2005.

CAHALLI, Francisco José. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Norvas. Curso Avançado de direito civil. 2 ed., ver. e atual. São Paulo: RT, 2003, v. 6. Direito das Sucessões


Fonte: JurisWay
Share/Bookmark

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Uma análise de Geraldo Vandré

Adriana Tanese Nogueira

Sempre tive a convicção interna de que é preciso estar à altura do que somos. Quem já não se pegou tendo algumas idéias fantásticas? Ou sentindo ter que realizar uma missão muito maior do que si próprio?

Acho que algo assim aconteceu com Geraldo Vandré. Minha filha de 12 anos ouvindo outro dia, pela primeira vez, a música Caminhando e Cantando ficou profundamente emocionada. Não foram só as letras que lhe chamaram a atenção, mas também a voz de Geraldo Vandré, o tom, a alma que está presente na forma como ele canta. É profunda, é sentida, é tão sagaz e intensa que tem o efeito de um megafone gigantesco.

Caminhando e Cantando, um hino. A melhor música de 1968, digna das melhores produções musicais do ano mais emocionante e radical da história ocidental, quando se acreditava que se podia mudar o mundo. O ano em que nos países civilizados de primeiro mundo, jovens e intelectuais acordaram do longo sono da hierarquia social e das tradições conservadoras para respirar o ar fresco da vida nova e ousar querer mais, ousar mudar, ousar dizer NÃO.

Infelizmente, no nosso Brasil subdesenvolvido, 1968 foi o ano da catástrofe. Desde aquele ano o “não” foi erradicado da cultura brasileira. Já notaram como todos dizem “sim”? Se fazem o que prometem é outro assunto, se ligam, se mantêm compromissos, se comparecem no horário marcado, se realizam o que prometeram, são fieis à palavra dada - tudo isso são outros quinhentos. O importante é dizer “sim”, nunca entrar em atrito. A oposição é proibida (porque no imaginário significa morte, fim); a hipocrisia aceita (e todos vivemos no jeitinho brasileiro). Enquanto a ONU decretava 1968 como Ano Internacional dos Direitos Humanos, no Brasil começou a orgia de desrespeito aos direitos humanos e ao Humano em geral.

Em setembro de 1968, no III Festival Internacional da Canção, Vandré canta o Para não dizer que não falei das flores. Foi um sucesso imediato. Todos, de alguma forma, compreenderam o que significava, a letra penetrou rapidamente debaixo da pele como uma pomada regenerante. Logo em seguida, Vandré perdeu seu emprego e antes da emissão das novas Tábuas da Lei (o AI-5) da Toda-Poderosa Ditadura Militar, em Dezembro daquele mesmo ano, Geraldo Vandré já estava fora do pais. Por causa de um música.

Como muitos exiliados, ele não gostou de sua nova vida. Arrancado de sua patria para salvar-se, o cantor fraquejou e cedeu às drogas e à depressão. Foi sua primeira grande falha. Ele não soube pagar o preço pelo presente que doou ao Brasil: uma simples música. Mas uma Grande Música, o hino de uma geração, o sentido de uma luta, o sonho de um povo, de muitos povos. A verdade cantada em poesia de que todos somos iguais, “braços dados ou não”, de que há muitos soldados “perdidos com armas na mão”. E o militarismo não é uma barbarie destinada a acabar um dia? Na Itália, há muitos anos é dada a opção de fazer o serviço “civil” no lugar do serviço militar. Os homens novos não identificam a masculinidade com o uso da força, isso é coisa do passado.

É também uma verdade psicológica e sociológica de altissimo valor que “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Conhecimento que não se transforma em ação não serve para nada, é vazio e enganoso. Saber é fazer. Saber é ser; logo, é agir. E isso porque temos “os amores na mente” e a “história na mão”: é por amor que muda-se o mundo e as lições do passado devem ensinar alguma coisa. Povo sem passado é povo burro que patina no presente (e isso vale do ponto de vista psicológico também: é preciso comprender a própria história para mudá-la). Somente assim, “caminhando e cantando, e seguindo a canção” poderemos aprender e ensinar “uma nova lição”, criar um novo mundo.

É essa “nova lição” que o regime militar exorcizou perseguindo e depois “confundindo” a cabeça do criador dessas palavras. Convinha aos exímios generais uma mais primitiva divisão do conflito entre bons e maus, fardados e “terroristas”, protetores da pátria e “malucos assassinos”. Era mais digerível uma versão simplória da realidade, regada a muito ódio, exaltação e medo.

Caminhando e Cantando era mais poderosa do que bombas e ameaças. Por isso, quando seu incauto autor resolveu cometer o seu segundo erro e ceder à angústia da saudade, voltando para a pátria amada cedo demais (1973), ele foi “acolhido” pela gentil força armada que “cuidou” dele num agradável hospital psiquiátrico, onde Vandré permaneceu isolados dos outros pacientes. Eis então o que significa na truculenta língua do regime militar o projeto transformador contido em Caminhando e Cantando: uma loucura. Uma doença tão perigosa que deveria ser mantida separada dos outros malucos que ocupavam a simpática clínica para doentes mentais.

Refletimos. Desde quando as Forças Armadas "acolhem" os cidadãos nos aeroportos? As Forças Armadas acolhem generais, presidente, embaixadores e altos funcionários. Cidadãos são acolhidos em suas chegadas ao país por familiares, amantes, amigos e colegas. Forças Armadas "acolhem" cidadãos somente quando os prendem ou os sequestram. Como Vandré não era um alto oficial, e não havia matado ou roubado, ele deve ter sido sequestrado para ser "reprogramado".

É certo. Num regime militar onde a livre expressão é proibida, onde todas as fontes, oportunidades e instrumentos de reflexão crítica são proibidos, “as flores pelo chão” devem ser incineradas e sua existência negada.

Foi assim que o poeta, cuja Musa genial inspirou-lhe a grande canção de esperança, foi hospedado por quase dois meses numa clínica psiquiátrica para “rever” suas idéias. O que mais a Musa poderia sugerir ao poeta, justamente nos anos mais negros da história do Brasil? O regime militar preocupou-se, então, em “explicar” ao poeta com "métodos apropriados" que suas músicas afinal não passavam de lorotas tolas, que sendo ele um cantor de porte, não como o Caetano e o Gil que “fazem qualquer coisa”, não lhe cabia permanecer no mesmo campo musical.

Tiveram sucesso. Hoje, Geraldo Vandré só faz “música erudita”, aquela que poucos entendem (qual melhor jeito de mantê-lo longe do povo?). Ele inclusive não gosta da cultura de massa (nem eu gosto, mas ela virou o que virou porque foi expurgada anos atrás de todos os pensadores críticos!) e é por isso que não canta mais para o Brasil.

Não só, surpreendentemente, Vandré agora tem a Força Aérea Brasileira como seu xodô, se aloja com eles, carrega papel impresso da FAB, símbolos e tudo o mais. Como ocorreu tal mudança?

Ao assistir à entrevista da Globo pelos 75 anos de Vandré, a impressão que tive foi de um homem quebrado, mas "disfarçado". Ele não parece amargurado, arrependido, deprimido. Poderia sentir-se assim, tem motivos para isso, seria totalmente normal. Ele também não parece um homem que mudou de idéias, que deixou de acreditar em algo e passou a pensar diferente, nem que fosse de forma fanática. Qual é a dele, então?

Ele parece uma pessoa cuja estrutura mental foi embaralhada por um novo e diferente maço de cartas, que nada tem a ver com a identidade original. Imaginem jogar baralho e de repente aparece aqui e alí uma carta com outro desenho, outro significado e que pertence a outro tipo de jogo. Imaginem dois “jogos” convivendo na psicologia de Vandré aparentemente de forma “pacífica”, pois uma situação dessas deveria levar ao desequilíbrio mental. Mas o Vandré parece normal. É como se, de alguma forma, conseguiram “reprogramar” o cantor de modo a manter sua aparente sanidade mas atuando em "modo diferente”.

Celso Lungaretti sustenta a tese da lavagem cerebral, não em sentido amplo, mas estrito. Ela acontece quando se submete uma pessoa a uma condição de total dependência de seus carcereiros. Estes controlam tudo o que a pessoa faz, desde o que e quando ela come e vai ao banheiro, até o sono e todos seus movimentos. Dá para imaginar o que isso significa? Estar totalmente à mercê do inimigo cruel?

Após um tempo assim, por instinto de sobrevivência e busca sentido (para não ficar louco), a vítima passa do sentimento de pânico e abandono total àquele de buscar conivência com seus algozes. Se, além dos “cuidados materiais" pelos quais a vítima passa, são-lhe soministrados também “cuidados psicológicos”, tipo “ensinar-lhe” o que ela deve pensar e acreditar, temos um prato cheio para compreender a esquisita entrevista de Geraldo Vandré à Globo.

Além de lento, o homem não é explicitamente patético, com seria alguém que fracassou seu propósito de vida e choraminga; também não mudou de idéia, como disse, pois hoje, de alguma forma, ele até nega ter tido “idéias”; não está amargurado, como teria todo direito a estar. Ao contrário, aparenta uma estranha leveza e distância, mas também não está fazendo algo de concreto. Tudo é confuso e nublado. Algumas coisas ele “não lembra”, mas as letras de suas músicas ele lembra perfeitamente.

Talvez só lá encontraremos Geraldo Vandré, no fio da meada que a Musa lhe inspirou, mas que o homem não conseguiu aguentar. Aquele fio da meada de sanidade mental que os “preocupados cuidados militares” não conseguiram apagar - e nunca irão apagar da bagagem cultural do Brasil. Morre o homem consciente, mas não morre a música revolucionária, justamente porque "a vida não se resume em festivais".
 

Fonte: Psicologia Dialética
Share/Bookmark
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...