quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Depois do Direito facilitado, eis o Direito apatifado

Por 

Se o Direito já vai mal...
Pois quando a coisa não vai bem, sempre pode piorar. Com mais de 1,2 mil faculdades de Direito, com milhares de livros publicados, não conseguimos resolver, ainda, as mínimas questões acerca dos conteúdos dos conceitos jurídicos. A indústria que mais cresce é a do pan-principiologismo. E a dos livros que querem simplificar o Direito. Pois, pode piorar. E a Globo pode ajudar nessa piora. Aliás, já está ajudando. E muito. Vejam.

Ideologia como falsa consciência?
Escrever sobre o modo como se forma o imaginário de terrae brasilis, a partir do meios de comunicação parece coisa velha. Algo do tipo “Althusser e seus aparelhos ideológicos” etc. Pensei em colocar minha calça boca de sino para fazer a Coluna.  Um aluno, marxista do tipo “A Ideologia Alemã", só que sem o contexto de Marx no século XIX e sem “aquela burguesia de então”, censurou-me, dizendo que esta Coluna seria do tipo “Ah, as novelas são os manuais da produção televisiva”. Critica-se os manuais, mas se assiste à novela das 9 (embora se diga que não a assista)!".

Fiquei pensando: o preclaro aluno-marxista-retrô acha que ideologia é falsa consciência. E que isso não tem nada de concreto... Basta negar a realidade. E dizer que é falsa. Está no mundo da pseuconcreticidade denunciado por Karel Kosik em sua Dialética do Concreto (que não é um livro de física). Pois é. De fato. São “só” 80 milhões que assistem à novela das nove na Globo. Alias, ainda estão frescos na memória alguns pitorescos episódios ocorridos durante o processo eleitoral de 2012 que demonstram a influência que os tais folhetins desempenham em nosso cotidiano. 1) São Paulo, maior e mais disputado colégio eleitoral do país. Numa disputa extremamente polarizada entre PT e PSDB, a cidade seria palco de um importante comício do atual prefeito (então candidato) Fernando Haddad com a presidenta da República. O ato, no entanto, foi adiado e o motivo: a data coincidia com a da exibição... do ultimo capítulo de Avenida Brasil. 2) Para não “perder a data”, a presidente encaminhou-se a Salvador, onde participaria do comício de um outro correligionário. Lá, contudo, traçou-se um estratégia para não competir com a saga da filósofa contemporânea Carminha. Armaram telões para exibir a novela e garantir a presença das massas. A Justiça Eleitoral vedou a iniciativa por entender que caracterizava “showmício”.
Bom, não cabe aqui debater se fez certo ou errado, mas ante a esses dois episódios, como ignorar a força desse elemento junto à formação do imaginário social? Como chamar de falso? Falso para quem, cara pálida? Deveríamos ler Poulantzas, no mínimo.
Lembro que, há mais de 10 anos, denunciei a novela A Próxima Vítima, em que a atriz que traiu o marido teve seu rosto cortado de fora a fora. Em reunião de família, perseguido pela polícia, o personagem de José Wilker (o vilão) foi reconfortado pela filha: “— Pai, ela teve o que mereceu”.  Em outra novela, a personagem de Cristiane Torloni dizia: “Estou entediada. Hoje preciso sair para beber, trair e receber uns tapas na cara”. Maravilha, não? Tudo para 60 milhões de telespectadores. Meu aluno marxista diria: tudo falso. Tudo falso. Pura ideologia...
Sergio Porto, o nosso Stanislaw Ponte Preta, tinha uma frase genial: a prosperidade de alguns homens públicos do Brasil é uma prova evidente de que eles vêm lutando pelo progresso de nosso subdesenvolvimento! Digo eu. Bem assim com a cultura: a prosperidade dos homens de comunicação é uma prova de sua luta pela burrice do povo!
OK. A coluna de hoje será piegas e atrasada. Mas ela é assim porque o velho resiste em morrer. E o novo não nasce. Alguém tem dúvidas do papel exercido pelos meios de comunicação? Alguém duvida do poder das novelas? Já não se sabe se a ficção é a realidade ou se a realidade é a ficção. Há 40 anos Warat dizia que confundíamos as ficções da realidade com a realidade das ficções. Tinha razão. Olhando programas como Na Moral, de Pedro Bial, Faustão e as novelas, fica uma zona gris entre ficções e não ficções. Sem considerar o resto do lixo televisivo, como programas de humor de enésima categoria e talk shows de gente que acha que, para se comunicar, tem que dizer palavrão e forçar o humor. Isso chegou, inclusive, ao futebol, quando qualquer repórter quer falar por metáforas... e explica a própria metáfora. E acha que, sem humor e sem extrema simplificação, ninguém entenderá. Meu aluno, e tantos outros, dirá que isso tudo é falso. É ideológico. Que não se pode perder tempo com isso. Mas eu resisto. E insisto.
A saga do glorioso Gentil, personagem da novela Amor à Vida
Li em vários jornais que a associação dos enfermeiros reclamou do tratamento dado à profissão na novela. Também os médicos reclamaram do mau trato que o autor da novela dá aos esculápios pátrios. Os laboratórios reclamaram por causa da fácil falsificação de um exame. Os gays reclamam. A associação das periguetes mandou carta, dizendo que periguete não fica mendigando espeto corrido e rodizio de sobremesas, como é o caso da gloriosa Valdyrene, agora mãe de Mary Laydy (com vários ípsilons). “Periguete, sim, morta de fome, não!”, é o lema da reclamação. Enfim, as gordinhas virgens reclamam da Globo, contra o comportamento da personagem com nome grego que não lembro. . E as feministas reclamam do comentário sobre a gordinha virgem: “Não há princesa encantada gorda”... Enfim, a novela tem de tudo para desagradar todas as corporações...

 E os politicamente corretos reclamam do comentário sobre a gordinha virgem: “Não há princesa encantada gorda”... Enfim, a novela tem de tudo para desagradar todas as corporações...
Eu disse “todas as corporações”? Bom, parece que a gloriosa classe dos causídicos não se incomoda com o modo como Walcyr, o Carrasco do imaginário social, lida com o Direito na malsinada novelaAmor à Vida.
O Direito foi desmoralizado de vez nessa novela. Aliás, no ritmo em que está, os advogados serão substituídos, na novela, por estagiários (o que aproximaria, paradoxalmente, a novela da vida real, pois não?).
No folhetim carrascal, o advogado não tem nenhuma expertise. É pau para toda a obra. Vejamos: o mesmo advogado que cuida do exame de DNA trata do divórcio do dono do hospital (o garanhão Cesar, que, desconfio, deve ser, inclusive, pai do próprio autor da novela...) e ainda defende o glorioso Gentil, processado por bigamia e falsidade ideológica. Pudera: com essa “expertise”, Gentil só poderia se ferrar. A mesma advogada que trata de indenizações, cuida do divórcio da mulher de Cesar, e que cuidou também do divórcio do filho de Cesar e que atuou como assistente de acusação contra o Gentil. Esses advogados sequer têm escritórios. Aliás, parece que São Paulo só tem esses dois advogados e mais um, que é dublê de garçom e que entrou com pedido de indenização da ex-chacrete contra o nosso glorioso Gentil.
É uma lambança geral. Uma algaravia. Uma desmoralização da profissão. E do Direito. A sala de audiência tem plateia. Genial. E as testemunhas ficam ali, na plateia, prontas para intervir. E intervém da própria plateia. Ninguém anota nada. Tudo é oral. Não há compromisso de testemunhas. Na audiência de conciliação do divórcio do garanhão Cesar, houve um bate boca, sendo que audiência foi dada como encerrada pela autora da ação. Quanto ao juiz... Bem, pobre magistrado. Já o coitado do Gentil foi processado em bis in idem e condenado em primeira e única instância a 5 anos de reclusão, em regime fechado. Mesmo com curso superior e sem trânsito em julgado, iniciou o cumprimento da pena, com pijama e tudo. No meio da malta carcerária. Tudo bem “real”, pois não?
Quer dizer: não há defesa, não há contraditório, não há recurso, e não há Lei de Execução Penal. E sequer há progressão de regime. Carrasco apatifou o Direito de defesa. Apatifou com o regime prisional. Apatifou com a profissão de advogado. Apatifou com a profissão de juiz. Liquidou com a de Promotor. Só se salvou o estagiário, que não era personagem... Ou seja: em pleno mensalão, o autor perdeu uma grande chance de tratar de um tema sério. Mas, como sempre, prefere-se a impostura, a transformação das questões do direito em “coisas de novelas mexicanas” ou de júri da common law, inclusive com o grito do advogado: “Protesto”! Que técnico isso, não?
Mas então uma novela não tem qualquer compromisso com a realidade? Com a formação cultural de um povo? Então a novela é absolutamente inconstitucional. E provo isso. A Constituição estabelece no artigo 221 que os meios de comunicação devem dar preferência a produções educativas, artísticas, culturais e informativas, bem como respeitar aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Pois bem. Onde, no caso, a preservação dos “éticos e sociais da pessoa e da família”? Únicos valores preservados são os que o garanhão Cesar escondeu nas Ilhas Cayman. Uma sugestão: vamos declarar a novela inconstitucional sem modulação de efeitos... Boa, não? Efeito ex tunc(anulando-a ab ovo!).
Agora, minha licença poética: Em um dos capítulos, nesses que trataram de audiência, prisões e divórcios, vi, em imagem parada, aumentada em dez vezes, uma pequena pilha de livros, em um canto da mesa de audiências, em que se podiam ver livros como Direito Penal Simplificado, ABC das Audiências, Processo Penal Resumidíssimo, Processo Civil em Quadrinhos e um livro em homenagem ao grande jurista Conselheiro Acácio...
A crise do Direito e o imaginário
Pode parecer implicância minha, mas há uma relação direta na formação do imaginário social, naquilo que a população entende por “instituições jurídicas” (nem quero falar do problema dos médicos, dos enfermeiros, das periguetes, da comunidade gay, todos com ampla representação no folhetim de Walcyr, o Carrasco do imaginário; todos, enfim, com motivos de sobra para reclamarem).

E o programa Na Moral, em que, quando se discutiu a “questão da moral”, fez-se de forma irresponsável, separando a moral do Direito, como se estivéssemos no século XIX. Desserviço na veia! Examinando o art. 221, cum grano salis, o Programa fere a Constituição. Logo...
Não tenho a esperança que a TV vá melhorar o nível cultural do povo. Mas, com certeza, não deve piorá-lo. E nem avacalhar com as instituições. O que diria um autor da novela se, em uma novela ou em livro, o autor (de novelas) fosse representado como um idiota ou fronteiriço (néscio total), escrevendo os originais com ç em vez de s, esquecendo os plurais etc., tendo que um corretor fazer uma arrumação mínima diária do texto para que um segundo na cadeia alimentar (um co-autor) possa entender o que o “gênio” quis dizer?
No fundo, é o trash tomando conta da sociedade. A produção está no nível de filme em que aparece o zíper do monstro. E, o pior: é feito de forma séria. A cultura desce, cotidianamente, a ladeira do desperdício de sentidos e significados. E passa a se retroalimentar. Nada pode ser mais profundo dos que os calcanhares de uma formiga. Por isso, William Bonner disse a célebre frase: o telespectador tem o QI de Homer Simpson. Notícias devem ser informações em drops. Em pílulas. E nisso o Direito foi sendo carcomido em suas entranhas pela praga das vulgatas e das simplificações. Por que um livro que é resumo de resumo vende 600 mil exemplares em Pindorama? Por que há dezenas de livros com conceitos do tipo “agressão atual é a que está acontecendo”? E que coisa alheia é aquela que não pertence à pessoa? Por que alguém constrói um princípio chamado “ausência eventual de plenário”?
Numa palavra: a reprodução do imaginário pequeno-gnosiológico
Acabei de ler A Reprodução, de Bernardo de Carvalho. Genial. E um retrato do imaginário pequeno-gnosiológico que assola o mundo. O personagem que estuda chinês é o retrato do “novo homem”. Sabe tudo em drops. E não sabe nada. Bernardo diz: a literatura passou a ser pautada pelo gosto da média. Acrescento: abaixo da média. A literatura tem que incomodar. Perturbar o leitor. Angustiá-lo. E digo eu: assim também devem ser os livros jurídicos. Bernardo diz que um dos defeitos da literatura e da mídia é falar como se estivessem tratando com crianças (acrescento: algo como achar que o leitor ou telespectador tem o QI do Homer Simpson!). Bernardo, acertadamente, chama a isso de inconsequência política. Ou seja, isso é trazer a burrice do privado para o âmbito do público: “A infantilização do público tem a ver com a internet e também com a literatura que entrega o que você quer”. Digo eu: no Direito também infantilizamos o público. Estamos em face de um novo homem: ohomo juridicus standard, que decora códigos e sabe tudo por pequenos drops.  E a novela Amor à Vida, ao tratar das “coisas do Direito”, é a perfeita amostra Rumo à Estação “A Burrice Como Ciência”. No fundo, não sei a comunidade jurídica não merece uma novela como essa... Estou tentado a acreditar nisso...

Por isso, concordo com ele, quando diz que o texto deve ser uma visão trágica das camadas de possibilidades. E digo eu: Entregar-se à mediocridade é achar que tudo é relativo, até porque, segundo um relativista, um medíocre também tem razão...!
Logo, se todos viram medíocres, ninguém mais será. Bingo! Se tudo é, nada é! É a cultura se abeberando da alegoria do queijo suíço: o melhor queijo é o suíço; quando mais furos, melhor o queijo; menos queijo, melhor queijo. D’onde se conclui, brilhantemente, que o queijo ideal é o “não queijo”.
Tudo é... e nada é. Alvíssaras! Vou estocar furos de queijos! A essência do queijo ideal é o furo. O nada!
PS 1: Para quem ainda não entendeu, a novela, enquanto construtora do imaginário social, cumpre um papel importante. Tem um múnus público. Não pode e nem deve reforçar estereótipos, fomentar preconceitos com base na aparência ou se desvirtuar de sua função educativa, artística, cultural e informativa. E não deve apatifar com as profissões.
PS 2: para não dizer que sou um exagerado e que sou implicante: no livro Direito Constitucional Facilitado, no comentário ao parágrafo 1º do artigo 13, da CF (são símbolos da República Federativa do Brasil a bandeira, o hino, as armas e o selo nacionais), os autores alertam para o “relevante” fato de “as armas” tratadas no aludido dispositivo referem-se... ao brasão e não às armas de fogo. Ah, bom! Bingo! Genial! Alvíssaras! Por isso é que esse livro vende tanto! Por isso é que o Verdade e Consenso não vai! Que chance eu tenho?  
Vou estocar palavras. Aliás, vou estocar combos de palavras!  Porque, no futuro, faltarão... para descrever o caos! É inexorável!
Fonte:Conjur
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sábado, 10 de agosto de 2013




Propostas de mudança na aposentadoria compulsória






Há uma regra, criada por lei em 1946 e incorporada à Constituição Federal de 1988, que obriga o servidor público federal a aposentar-se aos 70 anos. A “expulsória”, como é conhecida, aplica-se aos magistrados – juízes, desembargadores e ministros dos tribunais superiores – e aos membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União. Há uma década, a mudança dessa norma está em discussão no Congresso Nacional. São duas Propostas de Emenda Constitucional (PECs), cada qual com objetivos distintos. A PEC 457/2005 altera de 70 para 75 anos a idade para a aposentadoria compulsória. Já a PEC 21/2007 permite ao magistrado que esteja no exercício da Presidência de tribunal continuar em atividade até o fim do mandato, independentemente da idade.

O que nos propomos aqui é fazer uma rápida reflexão sobre o assunto a partir de uma questão muito simples: a mudança é boa ou ruim para a sociedade?
Para facilitar o raciocínio, fiquemos com a proposta para alteração de idade. Originária da PEC 42/2003, de autoria do senador Pedro Simon, a PEC 457 – apelidada de “PEC da Bengala” – foi enviada à Câmara dos Deputados em agosto de 2005, depois de aprovada no Senado. Após várias audiências públicas na Câmara, passou pelo crivo da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e de uma Comissão Especial criada com a finalidade específica de analisá-la. Em dezembro de 2006, a proposta foi ao Plenário pela primeira vez.
A partir daí, esse ritual vem se repetindo, como uma peça teatral de longa temporada: a PEC é colocada na ordem do dia e a votação é cancelada, pelos mais variados motivos: falta de quorum, encerramento da sessão, apreciação de outra matéria e até falecimento de parlamentares. Os requerimentos se sucedem, sem sucesso. Somente em 2011, foram protocolados 18 – o que dá mais de um por mês. Em 2012, outros 10 pedidos foram oficializados. Neste ano, até a presente data, há dois requerimentos: o primeiro, de fevereiro, do deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), e o segundo, de 13 de março, do deputado Bernardo Santana de Vasconcellos (PR-MG).
O que parece evidente é que o lobby ostensivo contra a votação da PEC 457 continua vitorioso. Desde 2003, quando foi apresentada a proposta original no Senado, dez anos se foram. E desde 2006, quando a proposta foi aprovada na CCJC e na Comissão Especial, lá se vão sete anos.
Onde estaria a polêmica?
Simples de entender são os argumentos dos que defendem a alteração de idade. Primeiro, pela questão da longevidade: quando o limite de 70 anos foi fixado, há meio século, a expectativa média de vida do brasileiro não chegava aos 50 anos – bem diferente da atual, que é superior a 72 anos. Nessa linha, seria exaustivo repetir aqui o que todos dizem sobre os avanços científicos que ampliam cada vez mais a longevidade do ser humano. Ademais, o limite para a “expulsória”, mesmo sendo alterado, não obriga ninguém a continuar trabalhando. Apenas dá chance àqueles que, tendo completado 70 anos e estejam em pleno vigor físico e intelectual, possam continuar na ativa. Por outro lado, qualquer profissional, no setor público ou no setor privado, uma vez incapacitado para o trabalho, é alcançado por mecanismos legais que impõem sua aposentadoria. Não importa a idade.
Outro argumento consistente é o da economia. Por que razão o erário deve ser onerado pelo simples fato de que o indivíduo completou 70 anos? Ao aposentá-lo e nomear outro para ocupar sua vaga, o Estado paga duas vezes. Estimativas amplamente divulgadas – e nunca contestadas com números – indicam que a alteração do limite de idade resultará em economia de R$ 20 bilhões. É pouco? Basta calcular a quantidade de escolas ou hospitais poderiam ser construídos com esse dinheiro.
Contra a PEC 457, manifestam-se as principais organizações de classe de magistrados e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Mera coincidência? Claro que não.
Nessa trincheira, argumenta-se que há necessidade de renovação no quadro de magistrados, para que os tribunais não se transformem em cortes muito conservadoras ou para que não se impeçam atualizações da jurisprudência nacional. Aduz-se que juiz bom é juiz jovem, que tem mais energia para enfrentar a montoeira de processos. O magistrado jovem, por ter mais disposição física, teria mais capacidade de produção do que os mais antigos. Outro argumento refere-se à “alternância do poder”: como os mandatos diretivos no Judiciário são renovados a cada dois anos e a escolha é feita por ordem de antiguidade, manter os mais antigos em atividade emperraria a ascensão dos mais novos. Para usar o jargão popular: a fila tem que andar.
Em resumo, segundo essas vozes, a manutenção da aposentadoria obrigatória aos 70 anos brindaria a sociedade brasileira com o que há de melhor no mundo da Justiça: maior agilidade no julgamento dos processos, ampla renovação do pensamento jurídico e até a saudável e democrática alternância de poder.

Será verdade?
A tão combatida lentidão no Judiciário brasileiro não teria como causa outros fatores, como por exemplo, o excesso de recursos? A renovação do pensamento jurídico tem mesmo relação direta e exclusiva com a idade dos juízes? Ser jovem significa necessariamente ser renovador, ter idéias arejadas e consistentes? Ao contrário, ter mais idade – 70 anos, por exemplo – significa mesmo “parar no tempo”, fechar-se à renovação?
Na verdade, quem é produtivo, o é por toda a vida – salvo caso fortuito ou por problemas de saúde. O preguiçoso vive na improdutividade e morre improdutivo. Da mesma forma, quem é conservador continua sem evoluir – e não há caso fortuito que resolva –, ao passo que quem é proativo nas ideias, não envelhece no pensamento.
Enfim, não faltam argumentos a favor da mudança da idade para a “expulsória”, mas não temos a pretensão de estender o assunto, mesmo porque essa é a seara dos especialistas. Queremos aqui apenas chamar a atenção para a visão simplista dos que vêem a questão pelo ângulo obtuso do corporativismo. Nossas representações classistas têm nobres missões a cumprir e grandes causas a defender – e, definitivamente, insistir na manutenção da aposentadoria obrigatória aos 70 não está entre elas.
Inúmeros magistrados iniciam e concluem brilhantes carreiras na jurisdição de primeiro e segundo graus, e muitos deles coroam suas trajetórias em tribunais superiores e no Supremo Tribunal Federal. São servidores públicos que prestam ou prestaram relevantes serviços à nação, mas são impedidos de continuar a fazê-lo no momento em que cometem o “crime” de completar 70 anos.
Alguns exemplos são bem ilustrativos.
No Supremo Tribunal Federal, aposentaram-se por idade, recentemente, os ministros Ayres Britto e Cezar Peluso – o primeiro após exercer a Presidência do STF e o segundo antes mesmo de completar o mandato. Também foram obrigados a se retirar da magistratura, pelo mesmo “crime” dos 70, os ministros Carlos Velloso e Néri da Silveira. Na Justiça do Trabalho – também para ficar apenas com os mais recentes – aposentaram-se os ministros Milton de Moura França, Rider Nogueira de Brito, Ronaldo José Lopes Leal, Almir Pazzianotto, Horácio Raymundo de Senna Pires, José Simpliciano e José Luciano de Castilho Pereira. Os quatro primeiros exerceram a Presidência do TST.
Todos esses senhores foram obrigados a deixar o serviço público no auge de sua experiência e no esplendor de seus conhecimentos. A partir daí, aconteceu o óbvio: eles continuaram em plena atividade. A maioria prosseguiu com suas trajetórias profissionais do “outro lado do balcão”, em escritórios de advocacia. Com a experiência e os conhecimentos acumulados – em grande parte, graças ao investimento público –, esses senhores vão bem, obrigado, colhendo os bons frutos de sua trajetória acadêmica e profissional.

Nada mais justo. Nada mais legítimo.
No Poder Legislativo, se a mesma regra de prevalecesse, parlamentares já deveriam estar aposentados. A começar pelo senador José Sarney, que completa 83 anos no próximo dia 24 de abril. Eleito em 1990 pelo PMDB do Amapá, ele se reelegeu em 1998 e em 2006. Ou seja: pela “expulsória”, Sarney teria sido obrigado a aposentar-se em 2000 – e não completaria sequer o segundo mandato, muito menos seria eleito e reeleito para a Presidência do Senado em 2003, 2009 e 2011.
Além de Sarney, outros 14 senadores da atual Legislatura também estariam aposentados ou em vias de se aposentar. São eles: Álvaro Dias (PSDB-PR), Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), Eduardo Suplicy (PT-SP), Epitácio Cafeteira (PTB-MA), Francisco Dornelles (PP-RJ), Garibaldi Alves (PMDB-RN), Jarbas de Andrade Vasconcelos (PMDB-PE), João Alberto de Souza (PMDB-MA), João Durval Carneiro (PDT-BA), Luiz Henrique (PMDB-SC), Maria do Carmo do Nascimento Alves (DEM-SE), Roberto Requião (PMDB-PR), Ruben Figueró (PSDB-MS) e, fechando a lista: Pedro Simon (PMDB-RS), autor da proposta original que altera a idade para aposentadoria compulsória.
No Executivo, onde também não há limite de idade, vários ministros seriam atingidos pela “expulsória”. A conclusão é que só o Judiciário, o Ministério Público e o Tribunal de Contas sofrem com essa limitação.
O fato inexorável é que, qualquer que seja o limite, a idade chegará. Inclusive para os que, hoje, tem pressa em chegar à magistratura. Não há, portanto, como deixar de indagar: a aposentadoria obrigatória aos 70 anos configura crime, castigo ou mera estupidez?
Fonte: CONJUR
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domingo, 10 de junho de 2012

Abandono afetivo do idoso pelos familiares: indenização por danos morais


Adriane Medianeira Toaldo, Hilza Reis Machado





1 Introdução
O idoso, assim como a criança e o adolescente, necessita de maior amparo legal, buscando, desta forma, maior defesa de seus direitos, assegurados de forma efetiva pela Constituição Brasileira e Estatuto do Idoso, através da Lei 10.74,1de 1º de outubro de 2003, visando maior dignidade e qualidade de vida, sendo um dos fundamentos da Constituição da República a dignidade da pessoa humana, em seu artigo 1º, inciso III.
Fez-se necessário o Estatuto do idoso como garantidor de respeito para com o idoso, mudando a realidade passada e sanando as falhas a fim de acabar, efetivamente com o desrespeito contra os idosos.
Existe hoje um grande contingente de idosos, dentre os quais alguns possuem uma boa renda, proporcionando um bom nível social a seus descendentes, fazendo com isso uma aproximação mais intensa; divergindo totalmente daqueles, estes que possuem um nível econômico mais baixo, são geralmente abandonados pela família  e muitas vezes pelos próprios asilos que os discriminam e maltratam, esquecendo o dever solidário para com os mesmos.
Em conseqüência da supervalorização da dignidade, o poder Judiciário vem se manifestando sobre as ações que tem como causa de pedir o abandono moral dos idosos que condenam os parentes por faltarem com assistência moral e afetiva.
Os atos praticados pelo homem não podem resultar em lesão a alguém, desta forma o Estatuto do Idoso, Lei 10.741 de 1º de outubro de 2003 em seu artigo 3º acentua a obrigação da família, da sociedade e do poder público, assegurando ao idoso a efetivação do direito ao bem maior, assim como a saúde, educação, ao esporte, ao lazer, a cultura, ao trabalho, a cidadania, a liberdade, a dignidade, ao respeito e a convivência familiar e comunitária, enfim, o dever de cuidado, o qual se inobservado, gera uma conduta lesiva ao idoso.
Embora o dever de cuidado das famílias para com os idosos seja regulamentado juridicamente em seu artigo 98 da Lei 10.741, Estatuto do Idoso, há um dever determinado pelo respeito e pelo afeto dos laços familiares que independem de jurisdição, que não necessitam de regulamentação, embora muitos sofrem por abandono material e afetivo sem a mínima satisfação de suas necessidades básicas e afetivas, deixando de cumprir com seu dever de zelo e proteção ao idoso.
O idoso ao sofrer de desafeto pela família, também perde seus objetivos, envelhecendo e adoecendo mais rapidamente, pois segundo a nossa Constituição Federal em seu artigo 229 salienta que os filhos maiores tem o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade; assim como o artigo 230, também da Carta Magna, disciplina o amparo ao idoso, defendendo sua dignidade e bem estar, garantindo-lhe o direito à vida, reconhecendo ser “dever da família, da sociedade e do Estado, amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar, garantindo-lhes o direito à vida”. 
Nessa perspectiva, o presente ensaio tem por objetivo analisar a possibilidade do idoso obter indenização por danos morais em caso de abandono afetivo pelos familiares, em virtude da ausência de previsão legal no Estatuto do Idoso, visto que a responsabilidade civil corresponde ao descumprimento de um dever de cuidado.


2 Dano Moral no Contexto da Responsabilidade Civil
Não se pode deixar de frisar, que mesmo após a Constituição de 1988, novos diplomas legais surgiram fazendo obedecer as matérias relativas à responsabilização civil pelo dano moral, demonstrando que a cada dia haverá uma atualização interpretativa dos textos legislativos, adequando-se as necessidades criadas pelo progresso da sociedade.
Desta forma o artigo 5º da Constituição Federal, em seus incisos V e X, trás a previsão de indenização por dano moral ou material; assim como os artigos 186, 187,  que rezam   sobre a violação do direito e o dano causado por ato ilícito, e por conseqüência desse ato ficará obrigado a repará-lo, segundo o artigo 927 deste mesmo Código Brasileiro.
O dano moral incide contra a pessoa, atingindo o que ela é em sua profundidade, pois é um dano pessoal, insuscetível de reposição por ser financeiramente imensurável, pois a pecúnia não retira a dor, podendo tão somente amenizá-la.
José de Aguiar Dias[1] destaca que o dano moral “não decorre da natureza do direito, bem ou interesse lesado, mas do efeito da lesão, do caráter da sua repercussão sobre o lesado.”
No dano moral são atingidos os sentimentos da vítima, a sua vida, sua honra, sua imagem e seu reconhecimento social, assim como sua integridade física e psíquica.
O ordenamento jurídico voltando-se para a ótica de proteção fundamentada na vulnerabilidade e principalmente em quem se encontra em situação de hipossuficiência, dispensou especial atenção ao idoso através da Lei 10.741/03, Estatuto do Idoso.
O idoso hoje é tema de muitas discussões, principalmente  acerca de seus direitos já institucionalizados pela Lei 10.741/03, denominado Estatuto do Idoso, chamando a atenção para a dimensão do envelhecimento e também para as políticas públicas, com o fim de suprir suas necessidades.
Em conseqüência do envelhecimento é que os papéis sociais se perdem, pois geralmente os recursos econômicos não satisfazem mais suas necessidades, diminuem as relações interpessoais e o idoso passa a viver isolado.
No Brasil grande parte dos idosos sofre os mais variados tipos de abandono e maus tratos, muitos cometidos pelos próprios familiares. O caso mais comum é de abandono de idoso em cada de saúde ou em asilos. Os parentes simplesmente esquecem de visitá-lo, deixando-o totalmente desamparado. Na hipótese que os parentes convivem com o idoso, muitas vezes, recebem os seus proventos e não alcançam sequer alimentos ao idoso. 
Como resultado do aumento da expectativa do tempo de vida do ser humano, ou seja, dos idosos, a sociedade não preparada para acolhê-los, fez destes um problema, em alguns casos um problema para as famílias, com seus elementos voltados ao mercado de trabalho e, portanto para sua sobrevivência, não possuindo muitas vezes nem tempo e nem recursos para ampará-los.
Embora a reparação civil não esteja prevista no Estatuto do Idoso, entende-se que a garantia de uma compensação de um desgosto, pelo sofrimento ou vexame deste, representa uma sanção ao culpado.
3 A Prova do Dano Moral
A prova do dano moral é uma questão bastante polêmica, pois se trata de algo imaterial e, portanto, não pode ser feita nos mesmos moldes empregados para a comprovação do dano material.
É uma situação um tanto delicada exigir da vítima a comprovação de sua dor, tristeza ou humilhação, através de documentos periciais, e é neste momento que a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, derivando da gravidade do ato ilícito.
Para Rui Stoco[2] “a causação de dano moral independe de prova, ou melhor, comprovada a ofensa moral o direito à indenização desta decorre, sendo dela presumido”.
Como o dano moral não tem fórmula de cálculo e nem se torna material no espaço físico, não se indeniza, somente se compensa, porque a rigor, ele não existe, não bastando só a afirmação da vítima pelo dano sofrido, sendo necessário, pois que se extraia do episódio sucedido um resultado danoso, ou seja, humilhação, dor, pânico, angústia, medo e outros.
Segundo os artigos 186 e 927 do Código Civil, estende a sua tutela aos bens personalíssimos, tornando-se mais uma satisfação do que indenização compensatória.
O reparo ao dano moral torna-se um esteio de conforto ao ofendido, principalmente se a ofensa é de grave repercussão, justificando, desta forma uma satisfação pecuniária para o lesado.
O ressarcimento do dano moral, além da função protetiva e punitiva tem também uma função inibitória, a qual se pode chamar de preventiva, que consiste na própria natureza da pena tanto na área cível quanto na penal.
O dano moral deriva, portanto, do próprio fato ofensivo, de modo que se a ofensa for provada, está comprovado o dano moral, ou seja, não se prova o dano, prova-se sim o fato.
Prevalece o entendimento de duplo caráter na reparação econômica do dano moral, ou seja, tem caráter compensatório para a vítima e punitivo para o ofensor, de forma a atenuar o sofrimento ocorrido e repreender o lesador, desestimulando seus atos.
Não existe ainda na legislação brasileira um critério de tarifação para o quantum nas indenizações, somente o artigo 944 do Código Civil menciona que a indenização mede-se pela extensão do dano, ou seja, esta medida é julgada pela ótica do juiz, atendendo em cada caso, às suas peculiaridades e sua repercussão econômica, a qual não deve ser tão grande a ponto de se transformar em enriquecimento e nem tão ínfimo que se torne inexpressivo.
4 O Dano Moral Decorrente do Abandono Afetivo Praticado pelos Familiares do Idoso 
As estatísticas demonstram que a vida ganhou mais anos, admitindo que a questão da velhice têm seus propósitos confirmados pela luta de uma melhor qualidade de vida para os idosos, se tornando um grande desafio para a sociedade brasileira, a qual não estava preparada para enfrentá-los.
Faz-se necessário que a sociedade se empenhe em detrimento da população idosa, chamando a atenção para a dimensão social do envelhecimento e também para as políticas públicas e seu seguimento, dando prioridade absoluta no trato com o idoso, protegendo-o da violência doméstica e familiar, garantindo desta forma sua dignidade.
Assim como em outros países, a Alemanha foi pioneira em iniciar um estudo especializado sobre a velhice, mais precisamente em 1939, e em 1945 nos Estados Unidos foi criada uma sociedade de Gerontologia com o objetivo de estudar os processos de envelhecimento, a partir daí seguiram publicações em todos os países, tornando-se o envelhecimento uma das mais importantes fontes de interesse dos pesquisadores[3].
A indenização por danos morais passou a ser acolhida a partir da Constituição Brasileira de 1988, e hoje, com o Código Civil de 2002, é proclamada nos artigos 186 e 927, caput.
José de Aguiar Dias[4] foi mais rápido que a lei, pois, em 1954, em conferência pronunciada em Santos, declarou que sua pregação era uma batalha, e o mérito de sua doutrina reside no esclarecimento de que “o dano moral suscetível de ressarcimento não decorre da natureza da lesão, mas do efeito da lesão, do caráter da sua repercussão sobre o lesado.”
Para tratar do assunto, apresenta-se abaixo uma antiga história popular japonesa que serve de reflexão sobre a desvalorização do idoso.
“Um homem tinha sua mãe, muito velha, doente e enfraquecida. Então, certo dia, colocou-a em uma espécie de cesto e com seu jovem filho carregou-a para dentro de uma montanha. O homem já estava pronto para abandonar a velha senhora e voltar para casa, quando seu jovem filho correu e pegou o cesto vazio. O homem perguntou-lhe por que, e o filho replicou que poderia precisar quando chegasse o tempo de trazê-lo para a montanha. Ouvindo aquelas palavras, o homem percebeu que acabara de cometer um erro; voltou à montanha, pegou sua mãe e retornaram os três para casa.”[5]
O idoso é muitas vezes marginalizado e oprimido, pois, por força da idade troca a sua independência pela debilidade física, gerando sentimentos de frustração e insegurança e desvalia, pois seus atrativos físicos fazem parte do passado.
Desta forma, o artigo 230 da Constituição Federal, prevê que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e garantindo-lhe o direito à vida.
Independentemente do amparo ao idoso pelo Estado, sociedade e família, ser constitucionalizado pelo artigo 98 do Estatuto do Idoso, existe uma obrigação apontada pelo respeito e por laços afetivos que não necessitam de regulamentação, muito embora existam idosos que vivam a mercê da caridade alheia, abandonados por seus familiares que há muito deixaram de cumprir com o seu dever de solidariedade e proteção.
Conforme reza o artigo 3º do referido Estatuto é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público, assegurar ao idoso com absoluta prioridade, seus direitos de cuidado, respeito, saúde, alimentação e convivência familiar, fazendo necessário o convívio deste com diferentes gerações, a fim de preservar os laços afetivos.
O medo de passar por dificuldades econômicas é a grande preocupação dos idosos, visto que, numa cultura consumerista como a atual, não ter dinheiro não é apenas um sinal de prestígio social, mas sim um requisito para viver com dignidade.
Significa o temor de passar pelo frio, pela fome, enfim, medos que acompanham a miséria, como sentir-se diminuído por vestir roupas velhas e principalmente depender dos filhos para sobreviver, e acabar vagando, por não possuir um teto para abrigar-se, resultando em exclusão e abandono.
Desta forma, o abandono material traz como conseqüência também o abandono moral e afetivo, pois, aquele que se encontra em situação de miserabilidade, também está afetivamente esquecido e abandonado pelos familiares.
Pois, o filho que não supre a necessidade alimentar de um pai, mesmo sendo um direito juridicamente tutelado, não suprirá tão pouco, sua necessidade afetiva, por que sentimentos não são impostos, são sentidos e demonstrados, pressupondo reconhecimento a dignidade da pessoa humana.
Mesmo sem extinguir a dor e a humilhação, o dinheiro tem o poder de compensar o sofrimento pelas vantagens que proporciona, como acentua José Rafael Santini:
“A soma em dinheiro paga pelo agente é para que ele sinta de alguma maneira o mal que praticou, a dor, a alegria, a vida, a liberdade,a honra ou a beleza, são de valor inestimáveis .Isso não impede, porém, que seja aquilatado um valor compensatório que amenize aquele dano moral a que São João apóstolo chamava de danos da alma”.[6]
Verifica-se na presente decisão, que embora o Código Civil sustente que o dever de alimentar é responsabilidade subsidiária dos familiares, o Estatuto do Idoso em seu artigo 12, sustenta que esta é solidária, com o objetivo da celeridade da lide, assim como efetua-se a prestação jurisdicional evitando demora por ocasião da intervenção de terceiros.
Relativamente a essa matéria, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no REsp n° 775.565/SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, da seguinte forma:
“Direito civil e processo civil. Ação de alimentos proposta pelos pais idosos em face de um dos filhos. Chamamento da outra filha para integrar a lide. Definição da natureza solidária da obrigação de prestar alimentos à luz do Estatuto do Idoso.
- A doutrina é uníssona, sob o prisma do Código Civil, em afirmar que o dever de prestar alimentos recíprocos entre pais e filhos não tem natureza solidária, porque é conjunta.
- A Lei 10.741/2003, atribuiu natureza solidária à obrigação de prestar alimentos quando os credores forem idosos, que por força da sua natureza especial prevalece sobre as disposições específicas do Código Civil.
- O Estatuto do Idoso, cumprindo política pública (art. 3º), assegura celeridade no processo, impedindo intervenção de outros eventuais devedores de alimentos.
- A solidariedade da obrigação alimentar devida ao idoso lhe garante a opção entre os prestadores (art. 12).
Recurso especial não conhecido. (STJ, REsp 775.565/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13.06.2006, DJU 26.06.2006).[7]
Cabe destacar o esclarecedor entendimento esposado no referido julgamento de Agravo de Instrumento acima citado, cujos termos transcreve-se:
“[...] Assim, por força da lei especial, é incontestável que o Estatuto do Idoso disciplinou de forma contrária à Lei Civil de 1916 e 2002, adotando como política pública (art. 3º), a obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade a efetivação do direito à alimentação.
Para tanto, mudou a natureza da obrigação alimentícia de conjunta para solidária, com o objetivo de beneficiar sobremaneira a celeridade do processo, evitando discussões acerca do ingresso dos demais devedores, não escolhidos pelo credor-idoso para figurarem no pólo passivo.”Dessa forma, o Estatuto do Idoso oportuniza prestação jurisdicional mais rápida na medida em que evita delonga que pode ser ocasionada pela intervenção de outros devedores.
À exemplo desse idoso acima, que necessitou apelar para obter seu sustento junto aos familiares que muitas vezes encontram-se com problemas financeiros, aquele acaba se tornando  para os familiares, um grande  obstáculo.
No caso em pauta a decorrência da própria necessidade alimentar, por si só já caracteriza abandono afetivo, pois, se os familiares não visualizam as necessidades mínimas de sobrevivência, certamente este idoso encontra-se em total abandono.
Compreende-se que aquele que respeita o idoso, não necessita de uma lide para cumprir com sua obrigação alimentar, portanto o abandono afetivo é conseqüência do abandono material, pois este se encontra ferido em seus direitos mais profundos, como em sua dignidade humana.
Um número expressivo de pessoas idosas é vítima de abandono e menosprezo, falta de alimentos e condições de higiene adequadas, ou seja, a velhice carrega consigo um acúmulo de desigualdades.
O abandono pode ser físico, psicológico, financeiro, por ação, omissão, ou por absoluta impossibilidade das pessoas que tem o dever de cuidado com o idoso.
O envelhecimento deveria ser visto como uma etapa natural da vida, mas não é o que acontece, visto ser o idoso rejeitado pela própria família, por tornar-se  dependente e menos saudável, representando um peso para a família e o Estado.
Clayton Reis, analisando a função da reparação dos danos, faz perfeita distinção entre:
“O sentido da palavra reparação, “impregnada de materialidade, para uma indenização dos bens do espírito”, o que considera uma abstração do direito moderno que, que tanto na doutrina como na jurisprudência, adquiriu o sentido de compensação ou satisfação da vítima. ...assegurando um apaziguamento do espírito do lesionado”.[8]
Desta forma o Tribunal de Justiça do Estado do Estado do Rio Grande do Sul mantém sua posição sobre o artigo 3º do Estatuto do Idoso:
Agravo de Instrumento n. 70025084419 – 8ª Câmara Cível – Santa Cruz do Sul
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ALIMENTOS. MÃE QUE DEMANDA CONTRA FILHO. ESTATUTO DO, idoso ART. 12. CHAMAMENTO AO PROCESSO DOS DEMAIS FILHOS. DESCABIMENTO.Da redação do art. 12 da Lei nº 10.741/03 (Estatuto do idoso), denota-se a intenção do legislador tanto de fortalecer a obrigação alimentar devida pelos familiares ao parente idoso quanto a liberdade deste para demandar contra quem bem entender. Assim, não se afigura razoável obrigá-lo a litigar contra todos os filhos, pois fica a seu critério decidir de quem exigirá a pensão. Negado seguimento ao recurso.[9]
Por trás de uma ação de execução de alimentos, em que uma mãe, por não encontrar mais opção, sujeita-se a implorar ao filho, passando pelo desprezo e humilhação por tal ato, necessitando interpor uma lide contra quem mais amou e zelou, visto que este filho sequer respeitou um direito acolhido pelo Estatuto do Idoso, o qual reza ser obrigação solidária,  entendendo-se também como abandono afetivo, pois aquele que nega o alimento não pode ter mais nada a compartilhar.
Vale lembrar que o artigo 14 do Estatuto do Idoso, reza sobre a falta de condições econômicas do idoso ou de seus familiares proverem seu sustento, este ficará a cargo do Poder Público, através da Lei Orgânica de Assistência Social, LOAS, Lei 8.742/93, que dispõe sobre a organização da Assistência Social em seu art. 20, 3º, e Constituição Federal em seu artigo 203, V, e Estatuto do Idoso em seu artigo 34, também em referência a LOAS, garante um salário mínimo de benefício mensal ao idoso que não possa prover sua mantença, visando ao enfrentamento da pobreza.
Para os idosos o trabalho tem um significado muito marcante, pois este é o centro de suas vidas, e enquanto trabalhador está inserido na sociedade, sendo que, após cumprida sua jornada laboral, a aposentadoria tenderá a significar o fim.
Para muitos idosos a aposentadoria poderá se tornar uma situação traumática, se não houver um planejamento para continuar a ser útil e manter a auto-estima elevada, estes se ocuparão com televisão, revistas, até o ponto de saturação, ou até que a vida perca seu significado.
Portanto, o ato de envelhecer tem implicações muito profundas na estrutura da família, nas políticas econômicas e sociais, como também na eficácia do trabalho,  lembrando o número de idosos longevos e a necessidade do aumento na qualidade de vida.
Constata-se que os idosos aposentados e recebendo renda vitalícia retornam muitas vezes ao mercado de trabalho, por ter sob sua responsabilidade uma família, e com o propósito de complementar a renda familiar.
As famílias brasileiras nas quais existem idosos vivem em melhores condições econômicas do que as famílias que não tem idoso recebendo aposentadoria e/ou pensão: Se estabelecem diferentes relações de dependência econômica e afetiva entre os membros das famílias, bem como há universalização dos benefícios da Seguridade social.[10]
Por hipossuficiência econômica, ou pela própria velhice já avançada, o idoso passa e depender da família, dos filhos, os quais em alguns casos também enfrentam dificuldades financeiras, e em virtude destes problemas, os quais refletem no relacionamento afetivo, acabam por ignorarem o idoso, considerando-o um grande empecilho para suas vidas.
No Estatuto do Idoso, em seus artigos 4º ao 7º, os quais expõem sobre o amparo físico e moral, onde nenhum idoso será objeto de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão e atentado a seus direitos, podendo ocorrer  estes comportamentos dentro dos lares, seja por agressão física ou moral, por intolerância, abandono afetivo, cerceando seus direitos naquilo que já lhe pertence.
O mundo evoluído obriga-nos a desenvolver um tipo de couraça que nos imuniza contra os inconvenientes do dia -a- dia, como se fosse uma grossa armadura repelente da má educação que ocorre no trânsito, nas filas dos bancos, nas platéias dos cinemas, nos caixas de supermercado, etc. Ficar indiferente a esses incômodos é o preço que se paga para conviver socialmente, embora não se pretenda, com essa regra, obrigar ninguém a se acovardar ou suportar passivamente determinados desaforos insólitos, por que a ordem jurídica não tolera o menoscabo, a vergonha e a humilhação. Daí a necessidade de se encontrar o equilíbrio para a correta e jurídica qualificação da lesão que sacrifica bens da vida considerados constitucionais, para que o dano moral resgate a honra maculada, cicatrize a ferida e recupere a auto-estima[11].
A organização familiar nos dia atuais sofre mudanças drásticas, existindo outras composições familiares que induzem a mudanças nos hábitos e nos comportamentos, modificando as relações familiares, como o caso de idosos que dividem o espaço físico com parentes mais distantes ou mesmo com pessoas as quais não possui laços parentais, tão somente pela necessidade de sobrevivência.
Quando o idoso reside com a família e esta devido aos seus compromissos e de seus membros, passa a ausentar-se por longos períodos, este sente-se só e angustiado e em alguns casos completamente abandonado, necessitando de afeto e atenção, torna-se difícil um momento para o idoso.
O idoso é visto pelos filhos e noras ou até pelos próprios netos, pois estes copiaram modelo de comportamento de seus pais, como um invasor de lares, pois ele está usando o espaço físico que era da família, e caba sendo descartado, descriminado, não conseguindo mais manter seu espaço, passando a ser considerado um peso para os familiares, muitas vezes se tornando vítima de maus tratos e do descaso.
Necessitando, muitas vezes, usar o Poder Judiciário, como meio de ser ouvido e assistido, pois o fator econômico é precário, a saúde debilitada, necessitando de cuidados e atenção especiais, sem ter condições econômicas pra um tratamento, para medicamentos ou de alguém para cuidá-lo, repercutindo o abandono material também em abandono afetivo.
Mas o que realmente o idoso procura é o reconhecimento e o respeito pela sociedade, pelos mais jovens e acima de tudo pelos familiares, pelo quanto ele colaborou para o país através de seu trabalho, e o quanto ele se doou para a família a fim de proporcionar dignidade e sustento, salientando acima de tudo os sentimentos nutridos por esta, que hoje o descarta, esquecendo tudo que lhe foi ensinado.
Muitos destes idosos encontram-se hoje a mercê da benemerência de estranhos, pois seus familiares lhe abandonaram, negando-lhe o que este tenha mais preservado, ou seja, o carinho o amparo, submetendo-o ao desamparo e a solidão, sendo por vezes vítimas dos próprios filhos.
Uma vez identificado o abandono, o Ministério Público e delegacias de polícia, proporcionarão o amparo devido ao idoso e acionarão o eventual responsável a responder sob as formas da lei, podendo este ser um familiar ou quem quer que seja,tendo todo cidadão o dever de denunciar qualquer forma de negligência ou desrespeito ao idoso.
Devido às mudanças jurídicas e culturais pelas quais passam as famílias, foi necessário encontrar mecanismos jurídicos diversos de proteção para seus membros, de modo a alcançar o respeito às diferenças, necessidades e possibilidades do idoso.
Um destes mecanismos, objeto do presente trabalho, é a indenização por dano moral decorrente do abandono afetivo do idoso, que é fruto do descaso e da solidão, sendo vítima da própria família, a qual deverá responder judicialmente por tal desamparo.
O reconhecimento da infração aos direitos da personalidade está evidenciado no voto do ministro Waldemar Zveiter, do qual se transcreve parte:
“[...] O dano moral, como é cediço, é a lesão praticada contra os direitos da personalidade, considerados essenciais à pessoa humana (integridade física e moral, nome, fama, dignidade, honradez, imagem, liberdade, intimidade).
Tamanha é a dimensão e a relevância desses direitos que sua tutela jurídica foi elevada ao patamar constitucional. Isto porque, a par do ressarcimento de natureza material, o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo a ordem jurídica conformar que tais garantias impunemente atingidas.”[12]
O relator destaca as seqüelas do dano moral, apontadas pela dor, pelo sofrimento, humilhação, vergonha, constrangimento e vexame de quem é molestado em sua honra ou dignidade, tudo isso agravado pela repercussão social da ofensa, é o diferencial das sanções, qual seja, o de reparar as ofensas físicas e psíquicas.
Adverte-se que pequenas ofensas, insignificantes não geram indenização por dano moral. O abandono lesa o espírito, causando ao idoso dano à sua dignidade, e  assim fundamenta Sérgio Cavalieri Filho em sábias palavras:
“Temos hoje o que pode ser chamado de direito subjetivo constitucional à dignidade. [...] a Constituição deu ao dano moral uma nova feição e maior dimensão, porque a dignidade humana nada mais é do que a base de todos os valores morais, a essência de todos os direitos personalíssimos.”[13]
O dano moral à luz da Constituição Brasileira nada mais é do que a infração ao direito à dignidade. Um texto que exprime bem essa noção de equiponderância é de autoria de Manuel Domingues de Andrade:
“O dano moral não comporta no rigor dos termos, uma expressão ou representação pecuniária. Trata-se duma reparação, ou melhor, ainda, duma compensação ao ofendido. A idéia geral em que funda esta indenização é a seguinte: os danos morais (dores, mágoas, desgostos) ocasionados pelo fato ilícito podem ser compensados, isto é, contrabalançados pelas satisfações (até da ordem  finalmente espiritual, incluindo o prazer altruístico de fazer bem) que o dinheiro pode proporcionar ao danificado. È preferível isto a deixar o ofendido sem nenhuma compensação pelo mal que sofreu; e o ofensor por sua vez sem nenhuma sanção correspondente ao mal produzido.”[14]
A condenação por danos morais tem o caráter de atender aos clamores e anseios de justiça, não só do cidadão, mas também da sociedade como um todo. Segundo Nehemias Domingos de Melo, sobre o dano moral:
“Na questão de danos morais, a sentença deve atender ao binômio efetividade – segurança, de tal sorte que as decisões do judiciário possam proporcionar  o maior grau possível de reparação  do dano sofrido pela parte, independentemente do ramo jurídico  em que se enquadre o direito postulado.”[15]
Numa realidade que revaloriza a dignidade humana mais do que seu patrimônio, e garante a pessoa toda tutela jurídica civil, é quase impossível não reconhecer a configuração da responsabilidade civil nas relações familiares, principalmente se aludindo ao abandono afetivo do idoso, inexistindo por ora um texto legalmente expresso na jurisprudência atual.
Confirmando o que tutela o Estatuto do Idoso, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul assim julga:
“RESPONSABILIDADE CIVIL. SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE COLETIVO. TRATAMENTO INDIGNO. AGRESSÕES FÍSICAS E VERBAIS. DANO MORAL OCORRENTE. VALOR DA INDENIZAÇÃO MANTIDO. 1. As alegações do autor de que teria sido ofendido verbalmente por preposto da ré no interior de um ônibus e de que, posteriormente, teria sido agredido fisicamente por outros prepostos seus no interior de seu estabelecimento são plausíveis e encontram verossimilhança na prova produzida. 2. A verossimilhança decorre a ausência de unicidade das versões apresentadas pela ré. Em sua contestação sustenta que o autor teria invadido o estabelecimento comercial, aproveitando-se da entrada de um ônibus no local. No entanto, o depoimento da testemunha trazida aos autos pela ré à fl.16 refere que o autor teria ingressado livremente no local. Ainda que, de fato, não tenha o autor comprovado lesões compatíveis com a extensão dos danos que alegou ter sofrido em sua inicial, evidenciada restaram as lesões corporais leves depois dos fatos, tendo sido devidamente registrados na Delegacia de Polícia (fls.39/40). 5. Além disso, não há como deixar de realçar o fato de ser o autor pessoa idosa, a qual merecia receber tratamento respeitoso da ré, o que não ocorreu. 6. Assim, tem-se por caracterizado o dano moral indenizável, não merecendo reparo o valor fixado na sentença (R$1.000,00), o qual se mostrou módico se comparado à extensão dos danos, à capacidade econômica do ofensor e, em especial, à condição peculiar de idoso da vítima. Sentença confirmada por seus próprios fundamentos. Recurso improvido.”[16]
Desta forma salienta-se a importância do Estatuto do Idoso com o fim jurídico de disciplinar o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, voltado para os maiores de sessenta anos, os quais se encontram feridos em seu íntimo maior, salientado que a conduta de quem os abandona é ilícita, pois fere os princípios assegurados constitucionalmente.
Sérgio Cavalieri Filho, esclarece, quanto ao dano moral, que este “é a reação psicológica que a pessoa experimenta em razão de uma agressão a um bem integrante de sua personalidade, causando-lhe vexame, sofrimento, humilhação e outras dores do espírito.”[17]
Portanto, busca-se a possibilidade de amenizar as dores do abandono moral sofridas pelo idoso, nas palavras de Vanderlei Arcanjo da Silva:
“A visão hoje predominante é de que, embora a dor não tenha preço e nem seja mensurável, os danos morais são plenamente reparáveis. A indenização em dinheiro não visa a restituição absoluta do status quo da vítima, anterior ao dano e nem a recomposição da dor e da angústia por eles vivenciadas. O seu escopo é o alívio, a amenização, a diminuição dos sentimentos negativos suportados pelo lesado, sob uma perspectiva de “correspondência” ou “proporcionalidade”, e não “equivalência”, buscando ainda sancionar o lesante, a fim de que ele não reitere a conduta ofensiva. Assim, em um contexto mais amplo, consiste o objetivo dessa reparação pecuniária na defesa dos valores essenciais a preservação da personalidade humana e do convívio social, atribuindo à vítima algum tipo de compensação, bem como lhe desenvolvendo na medida do possível, sua integralidade física, psicológica e emocional”.[18]
Na velhice existe uma necessidade de uma investigação mais aprofundada, por profissional capacitado, para determinar o dano causado em virtude do abandono afetivo, pois outros, que não os filhos biológicos podem suprir esta necessidade que os filhos não o fizeram.
A sociedade também é responsável pela eficácia da Política Nacional do Idoso, havendo uma necessidade que esta não se acomode, pois a qualquer evidência de abuso contra idosos, cada um deverá cobrar dos responsáveis, imediatas providências para evitá-los ou frear sua ocorrência.
Posiciona-se desta forma o professor Álvaro Vilhaça de Azevedo, referido por Nehemias Domingos de Melo:
“O descaso entre pais e filhos é algo que merece punição, é abandono moral grave, que precisa merecer severa atuação do Poder Judiciário, para que se reserve o não o amor ou a obrigação de amar, o que seria impossível, mas a responsabilidade ante o descumprimento do dever de cuidar, que causa o trauma moral da rejeição e da indiferença.”[19]
Compreende-se que o direito a indenização nasce do dano causado pelo comportamento culposo de alguém sobre outro, necessitando, pois , de um convívio mais equilibrado sustentado pela importância da responsabilidade civil. Clayton Reis complementa incisivamente:
“Essa função valorativa, presente no julgamento das questões alusivas aos danos morais, encontra-se indissoluvelmente identificada a um processo de captação das “dores vivenciadas pelas vítimas dos danos d’alma e, ainda, relacionada à certeza de que a indenização dos danos extrapatrimoniais possibilitará ao lesionado uma satisfação integral, de forma que se possa lhe assegurar o pleno restabelecimento de sua paz violada.”[20]
O Estatuto do Idoso por si só não fará milagres, não bastam, portanto que os direitos dos idosos estejam reconhecidamente tutelados por seu Estatuto, se faz necessário uma política educativa de respeito, onde as conquistas alcançadas sejam realmente praticadas, propiciando ao idoso melhores condições de vida e reconhecimento pela sua colaboração social, amando-o e respeitando-o em razão não só de sua idade, mas de sua sabedoria.
É necessário que se reconsidere o espaço do idoso, assim como o seu valor, dentro da sociedade, pois o país está cada dia mais idoso e os valores se modificando, necessitando resgatar a figura deste, tanto na família como na sociedade, pois se acredita que a terceira idade tem muito a acrescentar para todos.
5 Os Limites para a Indenização do Dano Moral e a Posição da Jurisprudência
Sendo o direito um interminável companheiro do homem e com a finalidade de ordenar a convivência social, na medida em que as pessoas vão se tornando mais frágeis, como é o caso do idoso, e para que estes possam desfrutar dos prazeres da cidadania, transformando e reorganizando o Direito para alcançar metas de paz e harmonia social, no instituto da Responsabilidade Civil, o qual é exemplo marcante dessa mutação.
Os princípios não lesar ninguém ou não lesar outrem não são observados como regra de conduta, o que tem contribuído para aumentar as hipóteses de prejuízo, portanto o direito sempre resguardou o direito à reparação de danos, observados nos artigos 185 e 927 do Código Civil.
A quantificação do dano moral é fonte inesgotável de discussões, e se revela tema polêmico, visto os comentários sobre a indústria do dano moral, ou das loterias indenizatórias, assim como os inconformismos atinentes à sua fixação.
A fixação de seu quantum exige uma análise apurada e cautelosa de vários fatores objetivos e subjetivos, com diferentes elementos e circunstâncias o que nos impede de alcançar precisão em qualquer procedimento.
O próprio Superior Tribunal de Justiça entende que:
“O valor por dano moral sujeita-se ao controle por via de recurso especial e deve ser reduzido quando for arbitrado fora dos parâmetros fixados por esta corte em casos semelhantes. Além disso, esse mesmo Tribunal sustenta que pode elevar ou reduzir o valor fixado á título de dano moral, quando ele se mostrar exagerado ou irrisório”.[21]
Portanto, são usados parâmetros para aclarar quantias, assim como nos casos considerados irrisórios ou exagerados, com a finalidade de ilustrar de forma genérica os padrões de razoabilidade e comedimento empregados por tal corte.
A verba indenizatória a título de danos morais, poderia ser baseada em três parâmetros, ou seja, o caráter compensatório para a vítima, em quantia tal que pudesse amenizar a dor sofrida, e para o causador, como forma de punição teria um desestímulo, demonstrando, desta maneira, que esta conduta é reprovada pelo ordenamento jurídico e que este não deverá reincidir.
Quanto ao terceiro parâmetro, qual seja o exemplar, a condenação poderia ter, na fixação do quantum, um plus acrescido, para servir de advertência mostrando que a sociedade não aceita o comportamento danoso, mensurando os valores impostos aos infratores por danos morais, com o intuito de reprimi-los.[22]
Ao ser fixado o quantum indenizatório são considerados os aspectos relativos a angústia e o sofrimento da vítima de maneira  a lhe consolar os sofrimentos ocorridos da injusta agressão como  também mostrar a sociedade que aquele comportamento nocivo é condenável e que o Estado – juiz não o admite.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim posiciona-se:
“APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. DANOS MATERIAIS. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. I. AGRAVO RETIDO. MÉRITO. 3. DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. O quantum indenizatório deve representar para a vítima uma satisfação capaz de amenizar de alguma forma o sofrimento impingido. A eficácia da contrapartida pecuniária está na aptidão para proporcionar tal satisfação em justa medida, de modo que não signifique um enriquecimento sem causa para a vítima e produza impacto bastante no causador do mal a fim de dissuadi-lo de novo atentado. Ponderação que recomenda a majoração da verba indenizatória. 4. DANOS MATERIAIS. Em não sendo possível estabelecer nexo de causalidade entre as acusações lançadas pelo réu e a derrota do autor nas eleições de 2004, deve ser desacolhido o pedido de indenização por danos materiais formulado. NÃO CONHECERAM DO AGRAVO RETIDO E DO PEDIDO DE REFORMA DA SENTENÇA FORMULADO EM SEDE DE CONTRARRAZÕES. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. Direito Privado. Indenização. Dano moral. Quantum. Majoração. Fatores que influenciam. Dano material. Descabimento. Nexo causal. Ausência. Campanha eleitoral. Ofensa à honra e imagem.”[23]
Subsiste até os dias atuais, dificuldade para a quantificação da indenização por danos morais de forma satisfatória. Para fixar o quantum indenizatório são estabelecidos critérios de modo  aproximado, o que consiste em avaliar de forma isenta e criteriosa, as situações do evento, o grau da culpa, a constância do sofrimento, as partes afetadas psicologicamente, as condições do ofensor e do ofendido, além da dimensão da ofensa.
Nota-se uma tendência jurisprudencial de acatamento doutrinário quanto a fixação do quantum indenizatório nas ações por danos morais, na reparação civil, não como ressarcimento ou compensação pelo dano, mas como uma punição, dispensando o magistrado de estabelecer  os critérios, como o ressarcimento ou a compensação.
Diante do caso concreto, o julgador, utilizando-se dos princípios da equidade e de justiça e também levando em consideração as condições do autor e do réu, assim como a potencialidade da ofensa, sua constância e seus reflexos, tendo o devido cuidado de não fixar valores insignificantes que não sirvam para desestimular os métodos ofensivos, perdendo o quantum sua função educativa.
Previsto na Constituição Federal, em seu artigo 5º, V e X, o instituto do dano moral, é visto como instrumento eficaz no sentido de assegurar o direito à dignidade da pessoa humana, sendo necessário seu aprimoramento de tal modo que a sua efetividade sucederá de maneira ampla quando o magistrado puder dotar de liberdade total na aplicação da teoria da exemplaridade.
6 Conclusão
Existe hoje um acréscimo significativo da população idosa, como resultado do aumento da expectativa do tempo de vida do ser humano. A sociedade não se preparou para acolher as pessoas idosas, tornando-se, em alguns casos, um problema tanto para as políticas governamentais (saúde pública e previdenciária) colocando em discussão a estrutura assistencial do Estado, quanto para as próprias famílias. Estas com seus elementos voltados ao mercado de trabalho e, portanto, para a sobrevivência, não possuindo muitas vezes nem tempo e nem recursos financeiros para assisti-los.
Ressalta a Constituição Federal em seu artigo 229, que os filhos maiores tem o dever de assistir os pais na velhice, carência ou enfermidade, proporcionando um convívio familiar baseado no afeto e reconhecimento ao princípio da solidariedade. Surge então, como revés emergencial, o asilo, o qual nem é a melhor opção, tornando-se uma das grandes barreiras encontradas pela família, caracterizando muitas vezes como abandono pelas mesmas.
O artigo 5º da Constituição Federal assegura em seu artigo 1º, inciso terceiro, o direito à dignidade humana, caracterizando com a sua violação que, aquele que abandona, fere fortemente este princípio em virtude da ilicitude do ato. Todavia, não houve nenhuma previsão legal no Estatuto do Idoso quanto à possibilidade de indenização por danos morais em caso de abandono afetivo por seus familiares, porém muitos doutrinadores entendem que a dor, o vexame, o sofrimento ou humilhação, quando interferem de maneira intensa no comportamento psicológico do indivíduo, são reputados como dano moral.
Na verdade, busca-se um benefício que repare, de certo modo, o sofrimento ou a humilhação sofrida. A composição do dano moral realiza-se através da compensação.
A Constituição Federal, em seu artigo 1º, inciso III, dedicou a dignidade humana como uma base dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito, ou seja, o direito constitucional à dignidade humana, Por ser ela a base de todos os valores morais e direitos personalíssimos. Os bens que agregam a personalidade, atributos mais preciosos do ser humano, valores estes distintos dos valores materiais, cujo abuso implica no que se acordou em chamar de dano moral, atingindo diretamente a pessoa.
Entende-se, portanto, que enquanto não houver ofensa ao ordenamento jurídico, e em consequência prejuízo, não haverá responsabilidade.
O descaso entre pais e filhos é considerado grave abandono moral, necessitando de severa punição do Poder Judiciário, para que se conserve não a obrigação de amar, esta não se impõe, mas a responsabilidade pelo descumprimento do dever de cuidar.
O fato gerador da responsabilidade civil é o ato ilícito, ou seja, a violação de um dever jurídico, acarretando dano para alguém, gerando, pois um novo dever jurídico, qual seja, o de reparar o dano. O ato ilícito é formado por um conjunto de pressupostos da responsabilidade de deveres jurídicos mediante conduta voluntária, que pode ser o dolo ou a culpa, ou o dano e a relação de casualidade, expressamente identificados no art. 186 do Código Civil Brasileiro.
Segundo o artigo 944 do Código Civil ordena “que a indenização mede-se pela extensão do dano”, portanto, havendo a transgressão da norma e decorrendo desta conduta um dano, nascerá então à obrigação de repará-lo, portanto transbordados os limites de um direito, ocasionará o prejuízo e o dever de indenizar.
Entendendo que no abuso de direito a culpa deva ser afastada, de modo que os pressupostos deste são por demais assemelhados aos da responsabilidade civil, ou seja, estão intimamente ligados.
O Poder Judiciário já revela ações que tem como ensejo de pedir o abandono moral dos idosos, condenando os familiares que faltaram com o dever de assisti-los moralmente, como os casos de ações de alimentos, abandono em hospitais, falta de cuidado com a higiene e saúde, apropriação indébita de seus proventos.
Desta forma que o dano moral decorre da gravidade do ilícito, ou seja, de grande repercussão, por si só já justificará o consentimento de uma satisfação pecuniária ao lesado.
Todavia não houve nenhuma previsão legal no Estatuto do Idoso quanto à possibilidade de indenização por danos morais em caso de abandono afetivo por seus familiares, desta forma procura-se acatar ao clamor na forma de um Direito que acompanha a evolução dos tempos, partindo da dignidade da pessoa humana como fundamento da República.
A dor e a humilhação pelas causas de abandono ao idoso, como a negação do afeto, de convívio, e do próprio alimento, não afetam só materialmente, pois a dor reflete-se psicologicamente, não podendo mais estes serem desconsiderados em face de ausência de previsão legal no Estatuto do Idoso.
A indenização pelo abandono afetivo dos familiares será uma forma de coibi-los de tal atitude, servindo como punição, já para o idoso trará, de certa forma um acalanto para a alma ou quem sabe o alcance para o próprio alimento. 
Desta forma entende-se que embora a reparação civil não esteja presente no Estatuto do Idoso, mas que seus pressupostos estejam, já haverá formas para tal intento.




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Notas:
[1] DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade Civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense. 1995. p. 730.
[2] STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 1691.
[3] COSTA, Ruth Corrêa da. A Terceira Idade Hoje: sob a Ótica do Serviço Social. Canoas: ULBRA, 2007. p. 31.
[4] DIAS, José de Aguiar. O Dano Moral e sua Reparação. Revista Forense, v. 49, n. 144, p. 42. nov./dez. 1952.
[5] NERI, Liberalesso Anita. Qualidade de Vida e Idade Madura. Campinas: Papirus, 2000. p. 101.
[6] SANTINI, José Rafael. Dano Moral: doutrina, jurisprudência e prática. São Paulo: E. Direito, 1997. p. 347.
[7] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 775.565/SP. Rel. Min. Nancy Andrighi. Julgado em: 13.06.2006. Disponível em: Acesso em: 20 maio 2009.
[8] REIS, Clayton. Os Novos Rumos da Indenização do Dano Moral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 125-6.
[9] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 70025084419. Ação de Alimentos. Oitava Câmara Cível. Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 01.07.2008. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br> acesso em: 03 jun. 2009.
[10] COSTA, R. 2007, p.107.
[11] ZULIANI, Ênio Santarelli. Aguiar Dias e a Evolução da Responsabilidade Civil no Direito Brasileiro. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 9, n. 51, p. 44, jan./fev. 2008.
[12] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 3.051, São Paulo (1993/002039-6), 3ª Turma, Rel. Min. Nilson Naves. Julgado em 17.04.2001. Revista Jurídica 285/96 e Rep. IOB Jurisp. 3-18211, p. 3. Disponível em: Acesso em: 20 maio 2009.
[13] CAVALIERI Filho, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civel. 5. ed. rev. ampl. e aument. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 94.
[14] ANDRADE, Manuel Domingues de. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil. a. VII, n. 40, mar./abr. 2006. p. 59.
[15] MELO, Nehemias Domingos de. Por uma nova teoria por danos morais. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre, v. 6, n. 33, p. 68, jan./fev. 2005a.
[16] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Recurso Cível n. 71001594241. Primeira Turma recursal. Relator: Ricardo Torres Hermann. Julgado em: 15.05.2008. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br> Acesso em: 03 jun. 2009.
[17] CAVALIERI FILHO, 2004, p. 93.
[18] SILVA, Vanderlei Arcanjo da. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre, v. I, 1999. p. 149.
[19] MELO, Nehemias Domingos de. Abandono Moral: fundamentos da responsabilidade civil. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 6, n. 34, p. 32, mar./abr. 2005b.
[20] REIS, 2002, p. 155.
[21] DANO Moral: Quantificação pelo STJ. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre, a. 7, n. 37, set./out. 2005. p. 148.
[22] MELO, 2005a, p. 66.
[23] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 70029144516. Nona Câmara Cível. Relator Odone Sanguiné. Julgado em 13.05.2009. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br> Acesso em: 03 jun. 2009.

Fonte:  Âmbito Jurídico.com.br
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